03 poemas de Dorivaldo P. Borges Junior, o sr. nó na garganta

 
(rodin)

Ernesto


tenho tido medo dos meus sonhos
acordo angustiado, tremendo
com uma coroa de espinhos na cabeça
tenho evitado de falar com o vento
temo por más notícias
 
por anos, deixei enterrado
um eu que prefiro esquecer
alguém que se apaixonou
mas em uma manhã chuvosa de março
cravou um punhal no próprio peito
confiou esconderijo do seu corpo a mim
 
cinco anos depois
eis que uma noite chuvosa de junho
anunciou em alto e bom som
que estava na hora de alguém voltar
acontece que eu tinha esquecido
o tormento que seria tê-lo de volta
alguém morto não deveria estar morto?
 
meus sonhos estavam certos
e o vento tentou me avisar
já era tarde, minha testa já sangrava
 
Ernesto está de volta
tão vulnerável que amedronta.



Olhar

 

músicas, plantas e até besouros
me pego vendo a vida
com um olhar que seria seu
 
eu não quero ser como você
porque sabemos que somos diferentes
sou simples, sou pouco
apenas um papel surrado
tentando ser desenhado
por algo que te agrade
 
e quem sabe
conseguir um lugarzinho modesto
ao lado da sua cama
perto dos seus álbuns favoritos
na sua mesa de trabalho
não importa onde for
só desejo estar ao alcance dos teus olhos.
  

 

 

Conversa

 

se em algum momento do caminho
a gente se perder um do outro
ou se a insegurança bater na porta
e algum de nós abrir
desejo que a gente se reencontre
se não com palavras
com olhares pelo menos
 
embora eu ame rosas
você me disse que há outras flores
algumas que não cheiram tão bem
provocam mais enjoo do que enamoramento
mas que nascem por algum motivo
se essas aparecerem no nosso jardim
que saibamos fazer algo com elas
 
e quando as palavras não parecerem certas
lineares, organizadas e formais
que percebamos o que elas dizem
mesmo que por erros de concordância
 
a vida e a poesia darão um jeito

 

 

 


 

Dorivaldo P. Borges Junior, o sr. nó na garganta

Foi criado no Marajó, atualmente cursa o mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFPA, na linha de pesquisa Psicanálise: teoria e clínica. Ama a poesia de Cazuza e a escrita de Caio Fernando Abreu. Criou o “Sr. nó na garganta” na tentativa de dar palavras à angústia, aquilo que não engana.


Variações: revista de literatura contemporânea 

VIII Edição - Vozes que não
 param de gritar  
Edição de Marcos Samuel Costa

2022

 

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