04 poemas e uma resenha de "ARCO-ÍRIS EM PRETO E BRANCO" de Edileuza Coelho de Oliveira

 



SOLIDÃO 

 

Partiram as paredes, o mar, o açúcar. 
Nenhum cigarro no bolso ou doce sobre a mesa.
Apagaram-se os lampiões. 
O silêncio sufocava pouco a pouco o último eco humano.
Desapareceram os livros abertos, o inseto escarlate.
E é inútil que o craveiro, a gasolina, ou a codorna recheada alcancem os sentidos:
O olfato também desapareceu. 
(O mundo desabitado é sempre contemplado por pupilas rubras de tormenta.)
Só o bárbaro silêncio em vez do tropel dos cavalos sem cela;
Só os panos escuros das cortinas sem luz,
em vez das cintilantes substâncias das aquarelas...
É hora de tocar o que se alcança, antes que desapareçam as mãos...!

 

 

 

O CORTEJO DA ROSA

 

Da calçada de vidrilhos gris
vi passar uma rosa rumo ao cemitério. 
Seguia aos pés do morto, 
a flor desidratada,
com manto de cera e sem rosário...!
(Do morto não lembro nada.)
Seguia com a mãe do morto, 
a rosa pálida,
em caixão azeviche e sem mortalha...!
(Do morto não lembro nada.)
Feneceu na primavera, a flor sonolenta,
sem dizer adeus à sombra do álamo...!
Ninguém chorava pela rosa, 
pobre desgraçada...!
Ninguém vira-lhe o sangue aguado...!
(Do morto não lembro nada.)
Dividia o silêncio com o morto,
a flor crucificada, 
dividia tudo.
Mas não minha lágrima.
(Do morto não lembro nada.)

 

 

ARCO-ÍRIS EM PRETO E BRANCO

 

Pássaro branco que plaina rente às minhas plumas negras,
voa bem alto e me traz uma risca do arco-íris.
Pode ser anil, violeta ou amarela.
Mas deixa lá o pote de ouro,
que estas moedas pertencem aos inocentes.
( Um dia também já foram minhas, quando as fitas deslizavam pelos meus cabelos, e as bonecas me apresentavam às fadas...)
Ave branca, não esqueça que não quero vermelha,
escarlata já é a faina.
Traga riscas bem finas, quero trançar um enlace delicado à alma desgarrada.
Gorjeie quando voltar e pouse devagarinho:
se a cor que trarás no bico misturar-se à minha sombra,
tornar-se-á negra, fria, e morta...

 

OS MENINOS AZULADOS

 

Onde começa o sangue naquele menino...?
Onde começa o menino naquele sangue...?
Incessantemente nos meninos azul-marinho.
Que vão gota a gota azulando os necrotérios,
gota a gota azulando as coroas de flores,
azulando as cruzes incandescentes do silêncio...!
Sob a espinha da noite
as balas misturam-se a nervos e ossos facheados,
nervos e ossos dos meninos azulados...!
(Também a noite está cansada - de entregar sempre à bala - a alma dos meninos azulados...!)
Ainda assim tentaram ser pescadores de homens,
ser pescadores de letras:
mas as barcas carregadas com os livros
misturaram-se à areia,
misturaram-se aos peixes,
e peixes, sim, matam a fome...!
Quem poderia acusar os meninos azulados...?
Nas minúsculas raízes da pobreza,
o destino e a bala tintos do sangue dos negros,
adormecem os meninos azulados
na lapela da noite costurada de medo...!


ARCO BRANCO EM PRETO LILASES – ÍRIS

 

Isadora Salazar

 

“Pois no domingo que o Alberto chegou, fizeram leitão assado,

E me convidaram pra jantar, aproveitar ainda bem quente.

DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA

DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA 

Té manhã, Bill, Té manhã, Lou. Té manhã, May. Té manhã.

Bai-bai. Boa-noite. Boi-noite.

Good night, ladies, good night, sweet ladies, good night, gooa night”.

( in A TERRA INÚTIL, T.S. ELIOT, tradução de PAULO MENDES CAMPOS)

 

aberta por entre camadas de sal, fel, nacos de girassóis verdes, coágulos e rebordos violáceos: o país, a fome, a doença, o feminicídio, o adeus, as guerras. A violência gotejante dos dias

Em Edileuza Coelho de Oliveira há o olhar que não cessa;

há o apreender dos tempos;

há o julgamento implacável; e esse, a estraçalhar o

quê

            . 

Nenhum experiente leitor se percebe incólume perante sua obra.

Nenhum leitor se percebe órfão do movimento de alguma nova peça de seu jogo de xadrez.

A obra de Edileuza é dinâmica e madura de universos, ruas, diálogos e redes.

Para ela, leitores são motriz força potência.

Para ela, para essa obra, possíveis ouvintes são em todas as esquinas. E o são com a ressalva de sua vontade de que esses jamais adormeçam “meninos em cacho”, jamais acordem “meninos azulados” “à margem terrosa e áspera”; e, nem se, por muito mais de o menos, estendam-se sobre todos um estranho “lençol de estranhas estrelas” e marquises. E se o mundo fosse outro que o fosse – teriam os leitores e ouvintes de Edileuza oLvidos acordados. E o trovão? Ah, esse trovão: uma certa pílula L vermelho cogumelo bolinho – um certo escape de uma Matrix Alice nos fios dos filtros, quadros e filmes, a disparar a morte estampada sob pálpebras, em um Mito de Ofélia às avessas, a tecer a resistência contra a necrofilia de todas as esferas do patriarcado,

A

            submergir

                    :

Flora de água laminada,”

A Rosa de antes da Fada Pinóquio, imensa sob os pés do morto “em caixão de azeviche e sem mortalha”, a Rosa antes Pinóquio, a quem “Ninguém vira-lhe o sangue aguado...!”

                                                                                   e

“(Do morto não lembro nada.)”

  

E, se o mundo fosse outro que o fosse, – Maiakovski dividiria com Edileuza a mesa, e juntos aprenderiam com a delicadeza de um menino cujo sangue migrou até a “risca sétima do arco-íris”, e compartilhariam: a “pele com muitos bordados”, a Folha e a Zibelina das Primaveras; E depois, sairiam a ecoar a tinta escarlata aos ouvidos dos que, ainda sonolentos e tintos, acaso não percebessem a chegada do tropel cavalos de aço, ou o “tropel dos cavalos sem cela”.  A esses Edileuza diz irremediável: “Acorda!”.

Sem piedade.

Sem fé que não a das redenções de Marias em Cecília, a dos afetos e saudades em João Cabral – sua ascendência.

 

Em À ESPERA DA RENDA DO SOL a amarga vingança ironia lírica do “como estão gordos os dedos que te apontaram”

Em DILÚVIO, um não deus cirurgicamente desenhado a transformar a “terra em noiva da morte” – E, com ele, Edileuza a incendiar absolutos e altares

Em ENTRE OS MENINOS E AS PETECAS oCompartilhar as barbatanas do sol”

Em A RISCA SÉTIMA DO ARCO-ÍRIS a súplica

Em  TEMPOS NEM TÃO NOVOS ASSIM e em DA SEDA o surreal que se instala:

(“sair---------correndo desta página antes que se confirmasse a primeira opção-

dente de tartaruga pobre se extrai”

                                                                                   ou

                                                                                               “um pássaro de sandálias”)

 

Caminhar Edileuza Coelho de Oliveira:

                                                                                                                                  E

                                                                        S         P          E         L         H        

                                                                                                                      O              

V         E         

R   

B                         

Que,

no corredor dos signos

o Outro refletido                   

BrevE 

Que,

A Palavra à faca

O Pássaro ao branco

                                    que Voa

ovos glóbulos sobre neve

É bala...! É bala...! É bala...!”

 (mas que “deixa lá o pote de ouro,

que estas moedas pertencem aos inocentes”)

o que nos diz o trovão

“o tilintar da jogada é uma sinfonia ecoando acordes de um tropel de cavalinhos de vidro”

Em ARCO-ÍRIS EM PRETO E BRANCO, o fazer artístico envolto em cadarços verdes de um All Star do asfalto dia, a percepção da vida que apressa até o afundar sob o lago Lilases, o transitório como signo. Arco Branco Em Pretas Sombras Sobra – Íris.

 

Nada de estático na densa obra de Edileuza Coelho de Oliveira

 



Variações: revista de literatura contemporânea 

VIII Edição - Vozes que não
 param de gritar  
Edição de Marcos Samuel Costa

2022

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