LANIAKEA - POEMA DE MILENA MARTINS MOURA
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀diz-se do universo que
tudo que se afasta
tem o vermelho
dos olhos dos tristes
e tudo que se aproxima
o azul
das tristezas
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀no entanto
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀o caos continua sendo
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀empiricamente
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀o que rege o cosmos
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀
e o caos é
o medo insano que humanos gigantes têm de insetos minúsculos
a campainha tocando na casa de quem deseja estar só
desenformar perfeitamente um pudim lindíssimo
porém amargo
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀e̶ ̶t̶i̶r̶a̶r̶ ̶d̶e̶l̶e̶ ̶u̶m̶a̶ ̶f̶o̶t̶o̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀a̶i̶n̶d̶a̶ ̶a̶s̶s̶i̶m̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀p̶a̶r̶a̶ ̶a̶ ̶p̶o̶s̶t̶e̶r̶i̶d̶a̶d̶e̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀diz-se do universo que
uma densa união de matéria
por ação da gravidade
pode iniciar reações de fusão nuclear
de dentro pra fora
até formar uma estrela
⠀⠀⠀ ̶j̶ú̶p̶i̶t̶e̶r̶ ̶f̶i̶c̶o̶u̶ ̶p̶e̶l̶o̶ ̶c̶a̶m̶i̶n̶h̶o̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀e uma estrela é
um fogo que se consome porque tudo se consome
mas que não veremos se apagar
porque nos consumiremos primeiro
enquanto isso
há pouco menos de meio século
não sei o que é deitar pés na terra crua
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀e isso é delicado como um sono
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀mundano como tampão arrancado de um polegar
a̶p̶o̶n̶t̶o̶ ̶c̶o̶n̶s̶t̶e̶l̶a̶ç̶õ̶e̶s̶ ̶n̶a̶ ̶n̶o̶i̶t̶e̶ ̶e̶l̶a̶s̶
s̶ã̶o̶ ̶i̶n̶d̶i̶f̶e̶r̶e̶n̶t̶e̶s̶ ̶a̶o̶ ̶m̶e̶u̶ ̶b̶a̶n̶d̶-̶a̶i̶d̶ ̶m̶a̶l̶ ̶c̶o̶l̶a̶d̶o̶
m̶i̶n̶h̶a̶ ̶m̶ã̶e̶ ̶d̶i̶z̶ ̶q̶u̶e̶
a̶p̶o̶n̶t̶a̶r̶ ̶c̶o̶n̶s̶t̶e̶l̶a̶ç̶õ̶e̶s̶ ̶n̶a̶ ̶n̶o̶i̶t̶e̶ ̶f̶a̶z̶ ̶n̶a̶s̶c̶e̶r̶
v̶e̶r̶r̶u̶g̶a̶ ̶n̶a̶ ̶p̶o̶n̶t̶a̶ ̶d̶o̶ ̶d̶e̶d̶o
m̶i̶n̶h̶a̶ ̶m̶ã̶e̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶s̶a̶b̶e̶ ̶q̶u̶e̶ ̶o̶ ̶u̶n̶i̶v̶e̶r̶s̶o̶
n̶o̶s̶ ̶i̶g̶n̶o̶r̶a̶
c̶o̶m̶o̶ ̶q̶u̶a̶l̶q̶u̶e̶r̶ ̶d̶e̶u̶s̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀christian doppler tinha os olhos tristes e a
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀saúde frágil
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀diz-se de christian doppler que
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀morreu sem saber que o universo
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀é uma criança lenta o que não
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀seria descoberto sem que christian doppler
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀tivesse sido uma
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀criança frágil
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀a̶ ̶m̶a̶t̶é̶r̶i̶a̶ ̶q̶u̶e̶ ̶f̶o̶r̶m̶o̶u̶ ̶c̶h̶r̶i̶s̶t̶i̶a̶n̶ ̶d̶o̶p̶p̶l̶e̶r̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀e̶ ̶a̶ ̶m̶a̶t̶é̶r̶i̶a̶ ̶d̶a̶s̶ ̶l̶e̶n̶t̶e̶s̶ ̶q̶u̶e̶ ̶c̶o̶r̶r̶i̶g̶e̶m̶ ̶a̶ ̶m̶i̶n̶h̶a̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀h̶i̶p̶e̶r̶m̶e̶t̶r̶o̶p̶i̶a̶ ̶e̶x̶p̶l̶o̶d̶i̶r̶a̶m̶ ̶j̶u̶n̶t̶a̶s̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀m̶a̶s̶ ̶c̶h̶r̶i̶s̶t̶i̶a̶n̶ ̶d̶o̶p̶p̶l̶e̶r̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶v̶i̶v̶e̶u̶ ̶p̶r̶a̶ ̶v̶e̶r̶ ̶o̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀e̶f̶e̶i̶t̶o̶ ̶c̶o̶m̶ ̶s̶e̶u̶ ̶n̶o̶m̶e̶ ̶c̶o̶m̶p̶r̶o̶v̶a̶r̶ ̶o̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀b̶i̶g̶ ̶b̶a̶n̶g̶
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀diz-se do universo que
tudo que existe muda de estado
para continuar existindo
e continua
tudo que existe tem bilhões de anos
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀e eu existo
ainda assim
à luz da minha luminária
os restos das dúvidas
que tentei arrancar
com as unhas
do crânio
se mostram como neve
grudados nos meus óculos
e quanto mais perguntas me faço
menos sou capaz de ver
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀diz-se do universo que
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀é feito
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀quase inteiramente
⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀de escuro
Milena Martins Moura é poeta, editora e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (Multifoco, 2011), Os Oráculos dos meus Óculos (Multifoco, 2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021), a plaquete Banquete dos Séculos (edição da autora, 2021) e O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão (Aboio, 2023), semifinalista do Prêmio Jabuti 2024 na categoria poesia. É editora da revista cassandra, diretora editorial e curadora da Macabéa Edições. É mestre em Literatura Brasileira pela Uerj e doutoranda em Literatura Comparada pela UFF. Tem poemas traduzidos para o espanhol e publicados em antologias e diversas revistas do Brasil e do exterior.
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