A Amazônia estilizada - Gutemberg Armando Diniz Guerra
A Amazônia estilizada
Gutemberg Armando Diniz Guerra
As árvores não são árvores, as plantas que vão ser colocadas nas estruturas de vergalhão não são de plástico, as partes que estarão nos palcos do debate não representam o todo, o clima em questão não é apenas o local, as alterações climáticas globais não estão sendo levadas em conta e a conta é levada para o cidadão que acredita em tudo o que não é e rejeita o que é porque vivem a lhe dizer, por vias diretas, indiretas, diversas e transversas que assim será.
Pela primeira vez se instalará no Brasil a Conferência entre as partes, que já é a trigésima, simplificadamente chamada de COP30. Essas reuniões que acontecem anualmente desde 1995 já ocorreram 3 vezes na Alemanha (1995, 1999, 2001), 3 vezes na Polônia (2008, 2013 e 2018), 2 vezes na Argentina (1998 e 2004), 2 vezes no Marrocos (2001 e 2016) e uma vez nos seguintes países: Suíça (1996), Japão (1997), Holanda (2000), Índia (2002), Itália (2003), Canadá (2005), Quênia (2006), Indonésia (2007), Dinamarca (2009), México (2010), África do Sul (2011), Catar (2012), Peru (2014), França (2015), Espanha (2019), Escócia (2021), Egito (2022), Emirados Árabes (2023 e Azerbaijáo (2024). Em 2020 a COP foi protelada para 2021 por causa da pandemia de COVID 19 e em 2001 ocorreu duas vezes com um intervalo de seis meses pela necessidade de acertar ajustes surgidos no ano anterior.
Para a COP 30 no Brasil, estão envolvidos no planejamento os Governos Federal, do Estado do Pará e Organização das Nações Unidas preparando o cenário para o evento com investimentos financeiros robustos no que deveria ser exemplar para que todos estivessem focados no assunto motivador do encontro: a emissão de gases alterando o clima do planeta.
Antes que a reunião se consume e ganhe todas as mídias, todas as mídias falam da montagem do cenário para a Conferência, expondo contradições e divergências políticas, ideológicas, culturais, religiosas e de todas as naturezas que se possa imaginar. Intervenções urbanas estão sendo questionadas por suposto e muito provável superfaturamento, por escamotearem o que fazer para reduzir a quantidade de veículos movidos a combustíveis fósseis poluentes, limitados a vias esburacadas, estreitas, desconfortáveis e sujas. Nenhuma medida tem sido implementada para mudar a matriz energética para modelos menos degradantes como a energia solar, eólica ou hidráulica. Uma medida aparentemente lógica seria melhorar a qualidade do transporte coletivo e estimular, incentivar e/ou induzir à maioria das pessoas a usar essa modalidade ao invés de cada um vestir o seu carro e sair pelas vias de tráfego cada vez mais estreitas e alteradas.
Em Belém, foram anunciados 300 ônibus com ar condicionado e wifi, mas há que diga que eles são os velhos reciclados, reformados, adaptados. Mudaram-lhes os nomes de Quentão para Geladão e com pinturas novas, mantem as estruturas que exigem esforços atléticos para serem acessados e cavalgados em balanços promovidos pela irregularidade das pistas. Isso muda muito pouco ao que teria que ser feito no sentido do estímulo aos que usam veículos particulares para começarem a entrar nessas naves coletivas tradicionais...
As moradias são cada vez mais verticais a tal ponto que se todos os habitantes descerem para a rua ao mesmo tempo, o espaço será insuficiente. A arborização nas calçadas e canteiros, tanto quanto os jardins e quintais estão desaparecendo e cada vez mais se impermeabilizam com cimento e asfalto o pouco solo descoberto que ainda resta. As florestas que eram cidades de muitos bichos viram pastos de capim, cupim, carrapatos e pachorrentos bovinos. A cidade emangueirada é devastada para dar lugar a fiações elétricas, paredes de arranha-céus e vai mudando de verde para um cinza monótono e pouco estimulante do sentido da visão. O barulho do ronco dos motores substituem o canto dos sabiás, pardais, rolinhas e bentevis que, apesar de tudo, resistem.
Uma obra que vem sendo simbolicamente atacada como produto da COP 30 se localiza em uma das principais avenidas de Belém em que corre um curso d’água que está mais para esgoto do que para igarapé, como antes era denominado. O que era dito das Almas, ou das Armas, perdeu tanto o espírito quanto a resistência que lhe inspiraram os nomes. De tanto ser usado como ancoradouro, tornou-se Doca, palavra com possível origem holandesa (doke).
O destaque do paisagismo ali se instalando está sendo dado para estruturas metálicas feitas de vergalhões em formato de taça, com uma plataforma na parte superior em que se expõem plantas ornamentais em vasos. O argumento para se instalar esses equipamentos é de que ali não há solo para sustentar árvores reais e de grande porte. Esse argumento é estranho porque ali existiam e existem ainda plantas como mangueiras e dendezeiros que vem sendo sistematicamente eliminados para as reformas que se estão a fazer no canal. Esse espaço é emblemático desde a década de 1980, quando o igarapé foi transformado em canal revestido, inviabilizadas a navegação e ancoragem naquele ponto que passou a ser o local de comemorações e celebrações de finais de campeonato de futebol nacionais e internacionais tanto quanto de eleições minoritárias e majoritárias. A avenida passou a ser uma espécie de Champs Elisée tropical, faltando um Arco do Triunfo que muito bem ali caberia por ser onde se celebram vitórias. Mas não estamos na França, e nem na Belle Époque...
Belém tem um histórico de economia próspera no final do século XIX e início do século XX com a exportação de borracha se traduzindo em riqueza que se expressou nas fachadas de residências e edifícios construídos naquele período. A crer que se reinstaurou uma monarquia no estado do Pará desde a década de 1980 com a ascensão e domínio de uma família que detém o poder no executivo, legislativo, judiciário e se articula nacionalmente com o poder central, caberia também um brasão em que se poderia desenhar uma estrutura de ferro sustentando vasos de plantas ao invés de uma flor de lis.
O fato é que a distância entre o povo e o poder são muito evidentes por essas bandas e em todo o território nacional. Nas eleições o povo participa votando para que os empossados façam, em qualquer dos níveis em que atuem, o que bem entendam e de formas a que possam se reeleger e manter seus privilégios nas eleições futuras. Não se dão a conhecer os planos elaborados nem o que será executado a curto, médio ou longo prazo, ficando a política sujeita a conjunturas instáveis em que o poder dos eleitos é muito maior do que o dos eleitores.
A impressão que se pode ter é de que há ciclistas pedalando fora das bicicletas, ouvindo informações imprecisas, improvisadas, a posteriori do abocanhamento dos recursos do erário e das medidas tomadas e a serem feitas. Houve um tempo, curto, em que se falou e praticou algum nível de planejamento participativo, com o envolvimento da população no que se faria para transformar o espaço municipal em um território sob controle dos habitantes. Depois disso, o que se vê é que os governantes assumem a dianteira fazendo o que bem entendem com suas equipes de apaniguados, pagando dívidas de campanha a empresas e empresários que investiram na bolsa de valores que é alimentada pelos impostos dos viventes naquela jurisdição. Os serviços públicos definham e tendem a piorar se os discursos pleiteando um estado mínimo se confirmarem. Estado e salário mínimo para os pobres e todo o poder aos que se locupletam de votos e verbas.
Enquanto isso, a paisagem se transforma e pode até ficar mais bela aos olhos, porém com efeitos insalubres e que inviabilizem a vida nessa mesma paisagem construída, reformada, reciclada, maquiada para se mostrar ao mundo como uma senhora leviana e coquete, feliz pela aparência, mas precisando muito de tratamento de saúde física e mental para continuar respirando e se movendo.
Das diversas ideias que se possa ter sobre a Amazônia, cada um inventa a sua, como temos visto na vasta literatura sobre o assunto. A dos atuais governantes da capital que fica no seu estuário, a estilização é o modelo, com um esforço tosco e muito forçado, a título de modernização. Destroem-se símbolos, apagam-se memórias, negam-se valores estéticos e éticos consolidados pela civilização. Em que pese toda a resistência e desconforto dos combativos militantes sociais, o despotismo avança.
Enquanto o cenário é montado para o espetáculo há pelo menos um personagem que rouba a cena e o cofre!...
Obrigado pelo texto!
ResponderExcluirGostei por demais do Texto. Morei em Belém de 1975 à 1979. Um destaque para "A cidade emangueirada"
ResponderExcluirTemos um olhar equivocado de que as árvores atrapalham as ruas, isso é falta de conhecimento sobre a importância delas para o ambiente.
Sem árvore, seria muito triste, seria sem vida…