Vernáculos - Gutemberg Armando Diniz Guerra
Vernáculos
Gutemberg Armando Diniz Guerra
Cada grupo social, territorial, espacial, histórico, cultural, político, etário, identitário, de vizinhança, profissional, por menor que seja, cria seus códigos e formas de compreensão vocabular e gestual. Tenho sido surpreendido, e nem devia, pela linguagem dos meus filhos que vivem em universos específicos de amizades, escolas e redes sociais. Coisas banais se transformam em especificidades, expressando sentimentos, conhecimentos, vivências próprias que se materializam entre eles e na relação deles com o mundo. A família é um apenas um dos ambientes em que eles absorvem, ou devem absorver, referencias positivas. A escola também, mas em ambos há espaços para fugas e descontroles, o que nos deve deixar em alerta, sempre.
Dou-me conta que nos meus tempos de criança, jovem, maduro, na escola, no exercício profissional, nas rodas de amigos, também tínhamos os nossos códigos e diferenciações em relação a outros de diferentes ambientes. Havia um certo prazer em falar coisas ou fazer gestos compreendidos apenas naquele universo restrito, deixando os excluídos na perplexidade, curiosos, decididamente fora do controle do que os dominadores daquelas expressões.
Busquei as origens do termo “vernáculo” sem consultar necessária e exclusivamente dicionários ou enciclopédias, mas sites de busca que podem ser vocabulários, glossários ou textos avulsos e, por ser esse texto livre, não me vi com o compromisso de citar as fontes com a precisão das formalidades acadêmicas. Pois então, vernáculo tem a ver com “nascido em casa” ou “escravo nativo”, segundo um dos informantes disponíveis no pouco confiável e genérico site. Pois que seja, pois tenho visto ser utilizado sempre nesse sentido ou se referindo a línguas típicas e circunscritas a um país ou região, conforme a ampliação da busca que fiz e confirmação em outras fontes etimológicas mais respeitadas.
O tema vem à baila por conta do uso frequente de um dos meus filhos se referindo repetidamente ao pix, esse dispositivo financeiro criado pelo Banco Central do Brasil e que, implementado em 2020, se tornou rapidamente na forma mais comum de transferências de valores no país. Em todos os ambientes, dos mais humildes aos mais sofisticados, entre vendedores ambulantes e shoppings centers, flanelinhas e mesmo para dar esmolas aos mendigos, o pix se tornou uma espécie de moeda invisível, mas efetiva da contemporaneidade.
Ao viajar pelas estradas, em qualquer parada, os comerciantes estampam nos cartazes as formas de pagamento possíveis, incluindo em geral as mais comuns, quais sejam o dinheiro, os cartões de crédito e débito e sempre as três letrinhas mágicas da preferencia nacional. Pode ser feita a operação digitando-se a chave do recebedor, em geral o número do cadastro de pessoa física ou jurídica ou, o mais comum, o número do celular do mesmo. Embora em muitos casos todas as formas de pagamento sejam possíveis, a disparadamente preferida é o pix.
O termo não é uma sigla, mas uma espécie de simplificação de pixel, os pontos luminosos que fazem funcional as imagens das telinhas que também se tornaram um objeto, para não dizer, como eu já escrevi em outra crônica, a quarta parte do corpo humano.
Eu não poderia encerrar esse diálogo sem referir a expressão que tem ecoado com muita frequência em meus ouvidos. Pedi ao autor da frase que a ilustrasse em uma figura que acompanha esse texto. Então vejam e ouçam! Uma voz infantil imitando um adulto, com frases bem pausadas, falando uma gíria antiga, acompanhada de uma expressão facial marota, com as sobrancelhas levantadas, os olhos fixos no devedor, a boca entortada para tornar mais hilária e contundente a cobrança e, mais ainda, para completar, carregando no tom forte do termo regente ou significante da modernidade que ali se manifesta na bilabial explosiva, com a intimidade própria e sincera das crianças ao descobrir novidades:
_Oi, meu chapa! E o pix? Nada ainda?
Obrigado pelo texto querido professor Gutemberg!
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