Resenha: Apontamentos sobre a cidade imaginária de Belém por Gutemberg Armando Diniz Guerra
Fábio Horácio-Castro. Apontamentos sobre a cidade imaginária de Belém. São Paulo: Editora Patauá, 2024.
Por Gutemberg Armando Diniz Guerra
Aprende-se sempre, muito, na leitura de autores professores que têm ideias claras e capacidade de transmitir conhecimentos com simplicidade ou usando de artifícios complexos sem que o leitor perceba estar sendo conduzido para entender as conexões e interfaces que a simplicidade encerra.
Ao ler a primeira parte do livro Apontamentos sobre a cidade imaginária de Belém, imediatamente me dei conta de que, de fato, toda cidade real tem seu lado imaginário, ou imaginado por quem nela habita, visita ou conhece. Talvez, mais ainda, se a gente só conhece por ter lido, ouvido falar, por fotografia, ou por outro caminho qualquer. Cheguei a me ver esquadrinhando interfaces de cidades imaginárias por onde já passei. Fiz o meu exercício de leitura de Apontamentos homeopaticamente, interrompendo para cumprir demandas que se me apresentavam urgentes, me tirando o tempo que gostaria de dedicar em bloco a esta obra. Para não me perder nesse labirinto intelectual, fui anotando minhas impressões e confesso, me impus uma disciplina mais rigorosa que a habitual para tentar aproveitar ao máximo desse diálogo instigante proposto por Fábio Horácio-Castro.
O título induz a não criar expectativas maiores do que as de encontrar notas esparsas, pensamentos condensados, amealhados ao longo de um tempo em que o autor tivesse se dado, mas, igualmente como o dito por mim acima, não tivesse conseguido concatenar como queria em um formato de livro, o que ele mesmo confessa em algumas passagens desse exercício editorial.
Dei-me ao exercício de entender a estrutura do compendio, dividido em cinco partes, incluindo-se como primeira o Prólogo, em que Fábio Horácio-Castro nos apresenta fragmentos em que se baseia para desenvolver as partes que seguem com a seguinte organização: na parte II expõe oito Estudos (da página 17 à 118); na parte III Relatos enumerados de 1 a 5 (contidos nas páginas 119 a 153), na parte IV Oxímoros (da página 157 à 162) e partes I e IV intitulada Artifícios (páginas 165 a 170) em que trata da bibliografia, citações, dedicatória e prólogo.
Seguindo na leitura, comecei a duvidar se o autor é apenas professor, ou se não seria também mago, decifrador de enigmas, caça fantasmas, bruxo ou coisa do gênero, por conta de expor uma gama de induções a assombrações, elucubrações e ideias que nos remetem ao fantástico e surreal. Lendo e deixando a imaginação fluir sob o comando das inspirações fabiohoraciocastrianas, me vi a visitar muitas cidades, desde Belém a outras tantas de outros lugares do mundo em que habitei, conheci superficialmente ou desfrutei um pouco mais intimamente. Mais ainda, fiquei pensando o que terá acontecido com aquelas pessoas, e comigo mesmo quando, ainda que com um mapa nas mãos e algum conhecimento de cartografia, nos perdíamos, como se as indicações fossem insuficientes, ou muito imprecisas, para nos orientar minimamente no mundo real representado nos croquis ou mapas.
Cruzamentos de História, Geografia, Política, Literatura e outros segmentos da cultura nos imergem muito mais do que nos logradouros que carregam em si todo o DNA de suas e nossas trajetórias. Creio que o fascínio dos franceses pelas diversas camadas temporais e físicas de suas cidades estão impressas também nessa cidade imaginária de Belém, ainda que não tenhamos, como lá no velho mundo, galerias como as dos esgotos, ou os tuneis dos metrôs, nem catacumbas a interligar mosteiros, castelos e cemitérios. Ou será que temos, mas ainda não nos demos conta de explorá-los?
O que não resta dúvidas, depois dessa leitura dos Apontamentos, é que há mais espíritos viventes em nossos casarões, ruas, becos, vielas, templos e bordeis do que conseguimos encarnar e perceber em seus personagens reais e em nós mesmos.
Outra leitura possível é de que as pessoas percebem as cidades em que habitam ou por onde passam conforme as suas experiências anteriores nas suas existências biológicas e espirituais, mediante as ferramentas de interpretação que possuem. Está aí largo e vasto campo para especulações espiritualistas, das religiosidades diversas que não se rendem a uma perspectiva de finitude do plano material animado. Para elas, todas, das mais diversas confissões, há que haver um além depois da morte, e um mundo paralelo a absorver a energia dissipada com o final da vida.
Depois de esquadrinhar e dialogar com os Apontamentos sobre a cidade imaginária de Belém, meu senti-la se expandiu, minha percepção se ampliou, principalmente na observação de detalhes que me permitem ver etnias, culturas, arquiteturas, estéticas, épocas, políticas e muitos outros aspectos que, sem as provocações de Fábio Horácio-Castro, ficariam adormecidos, entorpecidos, omitidos, envolvidos em penumbras, esquecimentos e ignorâncias.
A elaboração desses Apontamentos, imagino, deve ter sido um exercício longo e fragmentado, mas que nos são apresentados como quem exibe um bastidor secreto, uma câmara interior, uma espécie de desnudamento e, talvez mais, um auto evisceramento que nem todo autor é capaz de, generosamente oferecer aos leitores. Por isso, desde já, devemos ser muito gratos ao nosso escritor por ter feito esse streptease de seu etos e de sua forma de ver o mundo, o que vem nesses textos extremamente esclarecedores, criadores de olhos de ver, um descamamento de nossos olhares sobre essas paisagens cheias de vidas, de camadas e planos diversos que compõem Belém. É como se nos fosse permitido ir em outros planos, nos aléns do físico e voltar enriquecidos, luminosos, luminescentes e, melhor ainda impunemente. Uma pista que o Apontamentos nos dá é do complexo modo de criação do Fábio Horácio-Castro. Ele nos oferece isto como quem nos deixa ver um make in off do conjunto da obra que vem expondo e ganhando cada vez mais visibilidade. Essa impressão me veio ficar mais clara e vai se consolidando por conta da leitura que eu já havia feito e resenhado de O réptil melancólico.
Há outros diálogos a serem travados com o professor, filósofo, comunicador e escritor Fábio Horácio de Castro o que fica pendente apenas o tempo de eu me debruçar sobre seus outros livros e escutar suas exposições quando de eventos em que ele esteja presente. Aos que ainda não tiveram a oportunidade de ler os Apontamentos e O réptil melancólico, recomendo com veemência na certeza de que só terão a ganhar. Façam isso e depois me digam se eu tenho ou não alguma razão nessa proposta!
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