O dia seguinte da Pandemia de Covid 19 - Gutemberg Armando Diniz Guerra
Gutemberg
Armando Diniz Guerra
A pandemia deixou uma herança macabra de
muitas perdas de familiares, amigos, conhecidos, celebridades e anônimos
humanos, além de muita saudade dessas pessoas e muitas cicatrizes na alma dos
que sobreviveram. Deixou também hábitos que as pessoas contraíram para
continuar se prevenindo de doenças contagiosas ou não, utilizando máscaras,
higienizando as mãos e as roupas com mais frequência do que antes, reforçando
seu estado imunológico com boa alimentação, atividade física e cuidados que
antes não eram tomados por ignorância, preguiça, descrença ou omissão.
Ao andar nas ruas, shopping centers,
supermercados, igrejas e parques ve-se pessoas, principalmente idosas, usando
máscaras e outras mais jovens que, talvez por estarem com sintomas de gripe
como tosse, febre, dor na garganta, coriza e/ou espirros, fazem o uso de máscaras
de proteção.
O número de farmácias aumentou a olhos
vistos na cidade de Belém, principalmente de algumas redes gigantescas desse
ramo de empreendimento, embora algumas daquelas isoladas em bairros mais
humildes permaneçam prestando os seus serviços de comércio e orientação
medicamentosa aos que lhes procuram. Senti que o ritmo das arrumações nas
gôndolas tem sido frenético, indicando que os consumidores de medicamentos se
intensificaram nas buscas de poli vitamínicos, antigripais e analgésicos.
Para satisfazer minha curiosidade,
perguntei sobre o assunto a uma farmacêutica de um dos estabelecimentos que
frequento e a informação que ela me acrescentou foi sobre o número de anti ansiolíticos
como campeão de procura pelos acometidos por inquietações, insônia e síndromes
associadas ao temor desses tempos escabrosos aos quais sobrevivemos sob forte
impacto em nossos comportamentos sociais, políticos, culturais e pessoais.
Em
casa passamos a trocar os calçados na soleira, deixando aqueles utilizados nas
ruas e fora de casa, e nos habituamos a lavar ou pulverizar álcool 70o
naqueles que por alguma razão se usem no interior do domicílio.
Nas redes sociais ainda há posicionamentos
nas bolhas ou nos grupos familiares ou de amigos, em que há os que defendem
medidas profiláticas que os identificam à direita ou à esquerda, outro efeito
colateral da pandemia, permanecendo ainda um enorme mal-estar nos membros de
cada grupo. O número elevado de mortes no Brasil é atribuído por uns ao fato de
não se utilizar uma medicação barata e que estaria disponível por ter sido
comprada pelo governo da época, enquanto a posição hegemônica é de que essa
droga não tem reconhecimento científico e nem era indicada pela Organização
Mundial de Saúde. As controvérsias permanecem, ativando sentimentos muito
justos por conta de perdas irreparáveis no seio das famílias, seja qual for o
argumento.
Quando alguém espirra perto da gente,
todos os olhares se voltam, imediatamente, para o autor do disparo, e quase
nunca se diz mais a expressão “saúde” que antes era pronunciada com uma certa
galhofa e leveza. Ficou marcado na memória o que esse sinal de estouro pode
significar enquanto ameaça tanto para os que ali estejam, quanto para os que
possam vir a ser contatados em casa ou em outros ambientes.
Eu considerava muito pesada a expressão
utilizada pelos franceses reagindo aos espirros. Ouvi, de um dos meus cultos
amigos daquele país que a expressão surgiu quando de uma peste que dizimou milhares
de pessoas. Quando as pessoas espirravam, era um indicativo de que tinham
contraído a enfermidade e que não se salvariam. Então se dizia: a ton souhait, que hoje se traduz como
saúde, mas no tempo em que foi criada significava literalmente: ao teu (último)
desejo!
O medo ronda à nossa volta e em boa parte por
onde andamos e, por isso, nos tornamos tão sérios diante de espirros.
Muitas pessoas podem fazer uma avaliação
de si mesmo e constatar o que mudou depois da pandemia na sua vida e na dos que
lhe são mais próximos. Há uma lembrança amarga, dolorosa, insuperável daquele
tempo de vidas ceifadas e desinformação generalizada. Que nunca mais nos ocorra
uma onda daquela energia negativa!
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