Ana Meireles em "Quinta das crônicas".

O EQUÍVOCO DE SE ESTAR SÓBRIO !

Foi um equívoco, um engraçado equívoco motivado pelo poder operante da imaginação numa reação incrivelmente imediata. Refiro a ação da leitura na fluidez literal, com atropelos na interpretação. Isso muito acontece. Sigo no relato: Não havia como negar, a frase que ela havia lido era claríssima como água no copo. Mas sua imaginação logo deixou turvar, parecer da cor amarela e com espuma, fácil, fácil de embebedar. E foi o que aconteceu: Ela leu o comando que dizia assim: Enviar uma foto sóbria.
O conteúdo adentrou sua mente e produziu imagens. Nelas mergulhou colhendo as sensações que embriagaram a interpretação. Estava sob o estímulo delas e aos goles sentia o estranhamento que a palavra causou. 
Como podia? Não! Não podia! Uma foto sóbria seria um atestado de moderação, de comportamento retido nos padrões. Ah, logo quis se afastar dessas imagens. Muita seriedade. Foi para o outro lado onde cenas guardadas na memória moviam sorrisos distantes das feições da sobriedade. Talvez só tivesse visto, e nunca protagonizado. E se perguntou, de repente, o que era realmente estar ou parecer sóbrio? 
A indagação remeteu a imagem de uma naturalidade fosca, desprovida de entusiasmo. Sinceramente, as respostas visualizadas não foram nada atraentes. Era preciso repensar o impacto que produziu tal palavra: Sóbria!
Admitia que pensando em si mesma era sóbria por demais. Até lhe causava desânimo essa constatação. Não é coisa chata ser tão sóbrio? Estar na maré e não se deixar embalar pelas ondas do mar? 
Que dúvida! O que quer mesmo dizer: sóbria? Já sei: É alguém com postura acertada, denotativa de seriedade, compostura, moderação. Há que se pensar: Quanto desastre pode haver se a interpretação escorregar na coisa da leitura sob o influxo da consistência literal ? Percebeu nesta altura que tudo se confundiu. E deixou-se tomar pela cena retida na memória. A cena que não analisou, mas prontamente interpretou. Reagiu à palavra na força da imaginação e a retórica soou solene: Sou sempre sóbria! Ai, que chato! Como deve ser legal ser da pá virada, rsrsrs.

 


ANA MEIRELES - é poeta e cronista - nasceu em Icoaraci Distrito de Belém do Pará em um belo
domingo de Páscoa como dito por sua querida mãe Leila. Atualmente é servidora
pública com formação em psicologia pela UFPA. Tem diversos livros publicados,
entre poesia e crônica, esse ano faz sua publica seu primeiro livro infantil. 



curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição 

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