QUANDO ELA ME OLHOU... - prosa de Edilson Pantoja
(Escrito em 2013, em Tucuruí, onde estive pelo Parfor de Filosofia/Ufpa. O texto remete a visões de 1978, quando, breve, lá moramos. Vendíamos picolé pelas ruas para ajudar em casa. A rua do Escorre Água era famosa pelos muitos cabarés)
A mulher que vi ontem... Eu ainda penso nela. Acho mesmo que nunca mais a esquecerei. E a vi por não mais que um segundo. Quando passei na calçada. Aqui os estabelecimentos ficam rente à rua. Calçada estreita. Ladeira íngreme. Sobe-se com esforço. Eu subia com prazer. Tantas lembranças! Naquela ladeira eu pensava em meu irmão, que sempre admirei. Tão mais esperto! Tão mais atento! No dia em que descíamos a ladeira que eu agora subia. Um garoto, como nós, lhe pediu para conduzir o carro de picolé. Ele deixou. No final da ladeira o garoto lhe devolveu o carro. Por mim, jamais pensaria em olhar a pequena gaveta onde púnhamos o dinheiro. Meu irmão olhou. Nem vi que olhou. Já me dei com ele a cobrar do garoto a nota de dez cruzeiros que lá havia e agora sumira. O garoto disse que não. Que não. Meu irmão insistiu. Ameaçou. Não sei que mais. O garoto devolveu os dez cruzeiros. Uma proeza que não esqueço. Eu teria ficado no prejuízo. Foi nosso primeiro e único contato visual. Volto à mulher. Ela não me conhece. Nunca me viu. Nem eu a ela. Mas a conheço. Eu a vi muitas vezes noutras mulheres há trinta e cinco anos. Quem sabe não era ela mesma uma daquelas? E agora me esperava passar. Como se combinávamos. Nós e os tempos, aquele de lá, e este. Hoje. E foi desde lá que me viu. Que me olhou. E que também a vi. Rápido. Olhei para o fundo do estabelecimento. Conheço o cenário. Eu o vi muitas vezes em outras ruas. Por aí. Há pouco eu evitara a rua do Escorre Água. Por nada mais, mas porque queria ir logo à beira do rio. Evitei. Por nada mais. Até vontade deu de revê-la. A rua do Escorre Água. Famosa desde então. Desde antes de então. Seus estabelecimentos com aquele cenário. Ao fundo um homem abraçava uma mulher. Outras circulavam pelo cenário. Eu também as reconheci. Todas elas, Aquela. À esquerda, rente à rua, sentada num tamborete. A esperar. A esperar. A esperar. A mulher me olhou. Eu a olhei. Nosso primeiro e único contato visual. Mas eu a conheço. Por um segundo, a vi, logo deixada para trás sob meu ritmo, coberta pela parede. Mas a vi. Eu a vi bem! O vermelho do batom. O esforço do vermelho em manter firmes os lábios murchos.

Edilson Pantoja - nasceu em Marajupema, à margem paraense do rio Gurupi, em dezembro de 1968. Em 2000 graduou-se em filosofia pela UFPA e onde concluiu o mestrado em Estudos Literários. Autor de Albergue Noturno (Prêmio IAP 2005).
curadoria e edição de marcos samuel costa
variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição

.jpg)
Comentários
Postar um comentário