Solitário como um cão de rua - conto de Marciel Cordeiro


Solitário como um cão de rua


Estamos em casa por que temos medo da morte e da solidão. Eu já fui religioso. Queria acreditar na eternidade. “Oh, Deus, eu não posso morrer, sou um bom rapaz”. Mas sei lá, com o tempo vamos perdendo a fé, nossos instintos afloram e parece que a religião não pode mais nos domar. Não é que Deus não exista. Não gosto do ateísmo. Falo das coisas mundanas. Da busca pelo prazer. Dessa coisa que chamam de paz interior, e que nunca encontramos.
Quando criança eu matei um calango com uma enxadada na cabeça. Naquele dia eu fugi de casa, chorei, meu coração acelerou e me senti mal. Fiquei escondido de todo mundo. Só voltei para casa com o arrebol. Isso já faz uns vinte anos. Tenho trauma. Estamos fadados a caminhar sozinhos em uma trincheira. E não importa se você leu Nietzsche, Marx e se leu a bíblia uma dezena de vezes. Estaremos sozinhos. Solitários feito um cão de rua em dias chuva.
Ligo o celular e ouço uma música triste cubana que diz, “Morrem já as ilusões de outrora, a qual saciei com luxurioso amor, e morre também com as suas promessas cruéis, a inspiração que um dia lhe ofereci”. És que sou tomado por um bom sentimento e danço com a vassoura. Sabe, eu sou meio maluco. Gosto de escrever todos os dias, jamais escrevo sóbrio. A sobriedade adoece. Precisamos fugir de muitas coisas. O homem é perigoso. Estamos sempre com um revólver apontado para a cabeça. Não falo em armas, estou usando como metáfora, ou metonímia. Não sou muito bom com essas regras do português.
E agora toca outra música que fala de ilusões, de amores perdidos e de tudo que se esvazia com o tempo. Bebo a última taça de vinho e me jogo na cama.




Marciel Cordeiro nasceu em 1992. É estudante de Serviço Social. Publicou o livro Caminho para Texas pela Editora Cousa,  2019. Cresceu em Rancho Queimado na Zona Rural de Alcobaça, interior da Bahia, onde trabalhava com a lavoura e o gado. Desde 2015 vive na Região Metropolitana da Grande Vitória. É escritor e fotógrafo.
E-mail: marcielcordeiro2016@gmail.com


Comentários

  1. Gosto destas incongruências da escrita: é narrativo mas também é lírico; desconhece as regras gramaticais mas as emprega com precisão assimétrica. Bravo

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