04 poemas de Guilherme Aniceto
Vitória
Deitada sobre a superfície da água,
Vitória resiste e espera.
Submersa, a sua fortaleza intocada:
alguma derrota em equilíbrio
talvez exista
sob as suas nuances e curvas verdes.
Onde a flor se esconde,
que não circunda, nem preenche
este círculo que verdeja persistente
sobre o verniz espelhado do rio?
Deitada sobre a superfície da água,
Vitória oculta a maior flor da América:
Naiá, flor que só se abre à noite
para namorar a Lua,
aliciar e prender besouros.
Não carrega o tempo
Não carrega o tempo
as leviandades de quem feriu
e não prestou socorro.
Não carrega o tempo
a ferida que não cicatriza
na pele exposta.
Não carrega o tempo
o dízimo das opressões
vestidas em túnicas.
Não carrega o tempo
as quartas-feiras de futebol
e o fétido odor de álcool.
Não carrega o tempo
o pé de alface viçoso
que o avô plantava.
Não carrega o tempo
os passos de dança e as histórias
de corpo-seco.
Eu ainda guardo as sementes
que não semeei
no quintal de margaridas.
Ainda guardo os bilhetes
não escritos, não entregues,
não correspondidos.
Ainda guardo as garrafas,
os placares dos jogos e as contas
do rosário de violações.
Não existe borracha
para os destaques que o tempo
não consegue carregar.
Fruto
Quando nasce o amor
dentro de dois homens
geralmente
demora um pouco
para crescer também
entre eles.
O que existe dentro
precisa de tempo
para maturar
- o fruto da coragem.
Mas quando cresce
o amor entre dois homens
normalmente
também se espalha
ao redor deles.
Abrem-se os braços como galhos
e as mãos como cachos
numerosos.
E é óbvio
que há quem não colha
o fruto.
Há quem não coma
daquilo que é natural.
Os botões se abrem uma vez ao dia
Os botões se abrem uma vez ao dia,
ao bater do crepúsculo,
para libertar o aroma dos cansaços
e das experimentações.
Os botões se abrem para desnudar
o que há por dentro do tecido da pétala.
Arrebentam-se em gametas
apressados, sôfregos.
Os botões se abrem para o êxtase
da noite pintada a giz de cera,
da cor que só as noites cheias de estrelas
podem ter.
E quando os botões se abrem,
as bocas caem abaixo dos queixos,
as línguas trabalham no sentido do tato
e as mãos percorrem mais caminhos.
Os botões se abrem uma vez ao dia,
para celebrar o amor,
a poesia, a carícia, o gozo
e as conexões maduras das flores.
Guilherme Aniceto é mineiro, graduado em Administração de Empresas, Especialista em Contabilidade Pública e escritor em todas as horas (vagas ou não). Autor dos livros de poemas “Nós Líricos” e “Guerra”, publicados pelas Editoras LiteraCidade e Penalux, em 2015 e 2017, respectivamente. Colunista e membro do corpo editorial da Revista Subjetiva. Adepto confesso e amante irremediável do verso livre.
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