ATROPELO DA PALAVRA - crônica de Ana Meireles



ATROPELO DA PALAVRA 


O encontro aconteceu de forma inesperada. Alguns encontros acontecem mesmo de forma inesperada, sem a prévia de um convite. O convite é emblematicamente o laço de afeto existente entre as pessoas. Assim, muitos estavam alí, reunidos naquele antigo salão, por conta da ligação afetivo-parental com o ser que partira. Era um espaço utilizado para realização de exéquias, local de respeito e de consideração por todos os que ali presentes vinham demonstrar seu ato de fé, amor e piedade cristã. E em se tratando de encontro de pessoas, normalmente um conjunto de manifestações comportamentais é inevitável desabrochar: Entre conversas e lembranças, choros e discretos sorrisos. O amigo que partira era conhecido por sua bem desenvolvida veia humorística. Não havia seriedade que dentro dele muito tempo durasse, porque ele dava um jeito de quebrar contando uma piada, isso aconteceu no próprio velório da mãe dele, a avó da escritora narrante. Todavia, para uma das parentas, a Nandinha, a separação não estava sendo nada fácil, o que era humanamente compreensível. Consumia-se a Nandinha em rompantes de dor que pelos olhos lhe vazava. No passar das horas, era a estampa viva do sofrimento que sentia. Mas continha-se fazendo esforço para não demonstrar. Achava que era sua obrigação parecer forte, não demonstrar sua dor. 
E foram as horas passando e mais pessoas entre vizinhos e familiares chegando. A certa altura, um elegante carro preto chegou e estacionou próximo ao meio fio, na direção da porta de entrada onde todos se encontravam. E, do seu interior, desceu uma elegante senhora em trajes finos, saia de linho preta, blusa de cetim lilás , sapato de saltos altos e óculos escuros. Viera também demonstrar a sua solidariedade. Alcançou com passos ligeiros e elegantes a Nandinha cuja fisionomia sofrida de longe se podia avistar. Comovida, não pestanejou, desejou imediatamente confortá-la, usar de toda sua sinceridade de alma, e a frase veio: TE A-PREPARA, MULHER, PORQUE O PIOR AINDA VEM! 
Nandinha estava tão atordoada com o acontecimento que nem atinou quanto a sutileza da elegante Senhora, que naturalmente fazia uma referência ao momento do sepultamento. Em família se comentava "pixotadas bem intencionadas da Cris" rsrsrsrsrs... 
       
  
ANA MEIRELES - é poeta e cronista - nasceu em Icoaraci Distrito de Belém do Pará em um belo domingo de Páscoa como dito por sua querida mãe Leila. Atualmente é servidora pública com formação em psicologia pela UFPA. Tem diversos livros publicados, entre poesia e crônica, esse ano faz sua publica seu primeiro livro infantil. 


curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição 

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