Não sei nadar - ficção de Antônio LaCarne

Ficheiro:Mamilo masculino 2012.jpg – Wikipédia, a enciclopédia livre
(imagens livres do google)



Quis escrever um livro sobre a vontade de morrer em pedaços minúsculos. Uma história em conta-gotas. Ceder ao drama. Monumento vivo dentro da cabeça. Morrer de vergonha. Ser acusado de exagero. Lavar as mãos e os pés. Deixar as barbas de molho. Não sorrir nas fotografias e desmarcar encontros. Nada de desculpas esfarrapadas.
Não é preciso me perdoar. Estou cansado.
Aos trinta e seis, assim como aos vinte e sete, possivelmente aos quarenta e nove; me darei conta de que ainda sou um a pessoa mal amada e ferida.
Ricoco, fictício como os príncipes, deixou-me a ver navios ao ganhar ouro no nado crawl. Suas axilas depiladas com cera eram tão lindas que eu poderia fotografá-las ou exibi-las sobre meu peito nu e depilado aleatoriamente. Tufos de pelos ao redor dos mamilos. O mamilo rosado de Ricoco. Meus sonhos pousados sobre barbeadores.
Disse-me – segurando uma faca – que eu não lhe importunasse.
Não quero um velho na minha cola – concluiu, crente de que aquele jeans que
ele vestia era o da última coleção de Kim Kardashian para a Calvin Klein.
Sorri com um cigarro no bico. Agora quem não quer mais morrer, sou eu – por
vergonha. O cinzeiro abarrotado me impedia de dizer verdades:
Vá embora.
Não desperdice o meu dinheiro.
Deixe que eu observe enquanto você mija.
Não cuspa no meu rosto.
Cruzou a sala. Seus ombros largos deixaram de existir. A hora é agora. Pela primeira vez, não implorei que não me abandonasse. Estava seguro: as milhas do meu cartão de crédito o trariam de volta, caso fugisse.
Eu também fugiria de mim mesmo, não a contra gosto, mas com a certeza de que sem ele, eu me obrigaria a me enxergar, peludo e indisposto ao afogamento.
Nadando.
Desejando outra vez a mesma morte.



Antônio LaCarne é cearense, autor de Salão Chinês (2014), Todos os poemas são
loucos (2017), Exercícios de fixação (2018). Participou de várias antologias literárias e
teve poemas publicados na Colômbia, Grécia e Alemanha.



curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição

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