Outras vozes: voz de Wellington Ruan



O PRESENTE PERFEITO


Há dois dias havia conversado com o namorado e ambos firmaram uma aposta: encontrar o presente perfeito de um para o outro.
Tudo começara numa conversa boba que estavam tendo, enquanto se acariciavam no conforto de seu leito, no frio comum que se faz presente com as chuvas de dezembro. Um olhou para o outro e exclamou “o presente perfeito!”. O outro sem entender muito bem, mas ainda interligado pelo olhar, indagou “o presente perfeito?”, e ambos sorriram. Ainda sem responder, o outro se pôs a falar:
— Eu quero te dar o presente perfeito.
Foi quase como elevar-se aos céus ao ouvir o namorado dizer tal coisa. Ele entendia que só promete o presente perfeito quem sabe o que é amar. Ele talvez soubesse, estava receoso de prometer o mesmo e estar enganado, mas então disse:
— Também quero te dar o presente perfeito.
E no silêncio que se fez enquanto ambos continuavam a se encarar, um perguntou ao outro, “mas o que seria o presente perfeito?”. E eles concordaram que ainda teriam que descobrir.

Caminhava pelos corredores cheios a procura de um presente... o perfeito. Não fazia ideia do que seria aquilo, mas o trato era que eles deveriam descobrir e presentear um ao outro com o presente perfeito no dia de Natal. Queria impressionar, então pensou em algo de valor elevado, claro, o monetário. Ao adentrar a joalheria viu a pulseira que ficaria linda em seu amado, custava um pouco mais do que ele pretendia pagar ainda que fosse um presente caro. Pensou então que talvez valesse a pena, não teria mais trabalho algum. Contudo, quando segurou o cartão de crédito em mãos pensou que talvez aquilo fosse vazio demais. Apesar de caro, era apenas isso: um presente caro e não perfeito.
Ele continuou a andar pelos corredores, nada parecia mais interessante depois da última reflexão que o tomou na joalheria. Tudo era tudo, menos um presente perfeito. Há presentes caros, baratos, há lembrancinhas, presentes inúteis e úteis, há de tudo, mas que o era perfeito, então?
Entrou em uma loja de perfumaria, circulou pelas prateleiras e se voltou à vendedora:
— Qual seria a essência perfeita para o amor? — a vendedora sorriu, mas no olhar transparecia surpresa. Com toda certeza durante sua vida profissional nunca haviam lhe perguntado aquilo.
— Bom, posso te ajudar de muitas formas, mas não dessa.
— É... eu sei moça, foi só uma tentativa — respondeu cabisbaixo.
Desistiu de sua busca. Resolveu ir tomar um café na esquina daquele quarteirão e ao sair na rua percebeu que havia uma galeria do outro lado. Era o Lugar das Artes, como chamava. Adentrou com certa timidez, nunca nem houvera reparado naquele lugar pelas vezes que esteve ali. Era amplo e claro, de um estilo minimalista que uma galeria deve ter. As paredes decoradas com quadros logo o chamaram atenção. Calmamente ele caminhou pelos corredores, passo a passo. Observou cada detalhe com muita atenção, desde como a luz tocava as obras e as fazia brilhar, até os mínimos detalhes das pinceladas finas e grossas que permeavam as telas, fazendo as cores se comporem.
Ao passo que as horas se davam, ele se esqueceu do café e cada vez mais se encantava pelos trabalhos. Os olhos não conseguiam pairar em outra coisa, esquecera até do celular, mesmo que insistente nas vibrações contínuas, nada era capaz de tirar sua atenção. E ele avançava pelos corredores da galeria com tamanho fascínio. Caminhou mais um pouco até que chegou a uma sala onde todas as telas estampavam o que ele chamou de Amor: as telas contavam uma história, a história de um casal apaixonado. Todas num corte de ângulo diferente: um beijo, um olhar, um abraço, um sorriso e, por fim, a que mais o tocou: as mãos entrelaçadas que transmitiam uma ternura por ele jamais vista nem na realidade, se tornava uma grande surpresa então.
A tela era pequena, a menor de todas naquela sala. Ele sentou em um banco que havia bem ao centro do local e se pôs a entrega total de admiração do trabalho. Questionava-se ainda o porquê de tamanho encantamento por algo tão simples. Era a simplicidade, a simplicidade dos momentos que supera tudo o que se tem e a experiência se eleva. Após algum tempo de silêncio, ele encontrou o que mais procurava. Levantou, deu uma última olhada na tela que pendia em meio as outras, assentiu com a cabeça e foi embora.

Após a noite de ceia em casa com os pais, ainda pela manhã, ele foi para casa do namorado. Sentia-se feliz e tranquilo, desejava logo estar nos braços do amado.
Eles se serviam de bolo ainda quente, pois acabara de sair do forno, com uma bola de sorvete do lado. O cheiro de café permeava a casa, era o ideal numa tarde fria como aquela, quando nem se conseguia andar descalço pelo piso gelado. Usavam o cobertor como agasalho e sentaram-se à mesa para o café.
— Já podemos trocar os presentes? — perguntou o outro.
Ele respondeu que sim, com um sorriso de ponta a ponta e pediu para que fosse o primeiro. O namorado assim assentiu e então ele começou:
— Quando nós falamos do presente perfeito eu achei que seria bem fácil encontrá-lo, mas a verdade é que foi algo muito difícil. Eu andei bastante, cheguei até a perguntar para vendedoras, olha só que besteira. Tudo porque me perdi no caminho de encontrar o tal presente e foi então que cheguei a uma galeria no centro da cidade e lá não só encontrei o presente, como me encontrei. Lá eu experimentei sensações, vislumbrei o desconhecido, entendi um pouco mais do mundo e do que realmente importa. Era uma um retrato de um momento, as mãos entrelaçadas, a ternura... lá eu encontrei a simplicidade estampada em uma tela e essa simplicidade me trouxe para o presente: o presente perfeito...
— Espera um pouco — interrompeu o outro — você foi ao Lugar das Artes?
— Sim... — respondeu com surpresa.
— Que coincidência, eu também fui lá. Ontem, para ser exato... já volto — o rapaz saiu então da cozinha em direção ao quarto e voltou com um embrulho azul envolto em uma fita branca — bom, na galeria achei que esse seria o presente perfeito para você.
O outro então pegou o embrulho nas mãos e o abriu. Para sua surpresa, o que estava embaixo do papel era a tela de sua epifania. Estava lá, em suas mãos, como um presente... perfeito.
— Essa tela, ele me fez entender o que seria o presente perfeito para você — disse eufórico.
— Então, o que você dizia antes de eu te interromper? — perguntou o outro.
— Eu falava da simplicidade. A simplicidade do momento que essas mãos entrelaçadas me transmitiram naquela galeria e como elas me transportaram para o presente, o presente perfeito. E é isto aqui, este momento simples que estamos tendo agora, por exemplo, tomando café, nessa tarde fria de Natal, juntos, no aconchego de um lar: este é o presente perfeito. Porém, eu quero ter a sorte de muitos momentos como este com você, não só no presente, mas também no futuro. É por isso que o presente perfeito é este... — ele então levantou, tirou do bolso uma caixinha escura e ajoelhou aos pés do namorado — casa comigo?!
O outro rapaz baixou em sua frente no chão frio, assentindo com a cabeça e com as lágrimas que logo lhe desciam. Eles colocaram os anéis no dedo um do outro e por fim penduraram o quadro na parede mais visível da casa.
— Por hora ele ficará aqui, mas logo estará em nossa casa — exclamou com certa emoção presente em sua voz.
Vislumbraram o quadro pendurado, enquanto as mãos se tateavam para se juntarem como uma só; e o beijo cálido surgia.
Era apenas o início de um presente novo.



 

Wellington Ruan é professor de Inglês na rede pública do Estado do Pará e residente em Belém. Publicou pela editora Penalux, Guaratinguetá-SP, seu primeiro livro de contos em 2015, intitulado Relações da Alma e voltou a publicar em 2019 no V Anuário de Poesia Paraense com dois poemas que estão neste volume. Publica este ano Infinito Quase, seu romance de estreia, para trazer a voz de um jovem LGBT, com seus tormentos e paixões, à superfície.



curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição

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