Veloso em plena luz - ficção de Marciel Cordeiro



Fugindo da merda


Um conhecido tentou roubar o Caetano Veloso na praia. Ele disse que Caetano estava dando sopa, que havia uns dois caras do lado dele, e achou que seria moleza. No fim o assalto deu errado e ele tomou uns bons pescoções na Praia dos Milionários.
Eu já estava de saco cheio. Vendia água de coco durante todo o dia para os turistas. É um trabalho desgastante. O sol sobre os miolos e aquela gente chata achando que você está ali apenas servi-la. Na verdade, eu queria mesmo era chutar o pau da barraca. Mas eu estava tendo um caso com a irmã do sujeito que tentou acertar a boa assaltando Caetano. Morávamos em uma casa humilde em Porto Seguro. Toda vez que íamos transar precisávamos torcer para que ninguém entrasse pela cortina improvisada como porta do quarto. Era horrível. Havia sete pessoas em uma casa de dois quartos. A mãe da garota vivia sussurrando nós meus ouvidos que queria ir para a cama comigo. O pior era ter de doar parte da venda dos cocos no sustento dos três netos que a velha cuidava. Eu estava ficando louco. O cara nunca me ajudava, só queria meter pequenos assaltos na praia. Eu preciso confessar que odeio a pobreza. Tento fugir dela, mas ela me persegue. Só que pobreza demais é deprimente. Tive uma boa conversa com o irmão da garota e meti a real, que voltaria para minha cidade. Um maluco que tenta roubar o Caetano Veloso em plena luz do dia só poderia me trazer problemas. É preciso fugir antes de a merda acontecer. A velha queria a porcentagem dela antes que eu partisse.
Gritei com ela. Então o filho partiu pra cima de mim, peguei um tijolo que havia por ali e fui pra cima do assaltante de merda. Ele pulou o portão e foi para a rua esbravejando como um cão feroz. Peguei minhas coisas, dei um abraço na garota e segui para a rodoviária. O mar estava azul. Bem azul. O entardecer em Porto Seguro é revigorante. Cheguei à rodoviária e havia umas poucas pessoas. Comprei o bilhete e fiquei esperando o ônibus. Um senhor estava abordando as pessoas. Falava que tinha uma filha enferma em Itabuna e que precisava de grana para viajar. Pedia a grana e recitava um versículo da bíblia. Funciona com alguns turistas. Do nada surgiram dois caras. Se via que estavam em situação de rua. Gritaram com o homem que estava pedindo, falaram algumas coisas, e saíram os três para uma pracinha. Contaram a grana e meteram o pé.
Algumas pessoas que também viram ficaram indignadas. Eu não. É apenas tática de obrevivência.



Marciel Cordeiro nasceu em 1992. É estudante de Serviço Social. Publicou o livro Caminho para Texas pela Editora Cousa, 2019. Cresceu em Rancho Queimado na Zona Rural de Alcobaça, interior da Bahia, onde trabalhava com a lavoura e o gado. Desde 2015 vive na Região Metropolitana da Grande Vitória. É escritor e fotógrafo.




curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição

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