dessas dores ancestrais - poemas Tiago Rabelo

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O rio transcreve memórias,
enquanto peixes percorrem o infinito.

o grito




nas horas de espanto me soterra
[o grito
sussurro caprichoso que espeta
minh’alma cala ao infinito
carrega esmola dispersa
um chão me calça
o céu insano
insônia que abrasa por dentro
encontra o gasoso desatino frouxo
objeta
transversa
enganos
palavra desencalha verbos
sente um ais imaturo acirrar
enfada a nirvana vibrante
anseia cifrar ecos
que brotam
ferindo o ar

nas embarcações


no fio dessas dores ancestrais
do teu corpo-morno
nas vozes do teu bruto peito
existem vários rios
dentro do rio
labirintos copas casulos
z u n i d o s
que atravessam
de dentro pra fora
furando a carne
d e s a l o j a n d o
que rasga o tecido da terra
e espera esbarra inaugura
que arranca o leme
dessa carapaça verde
dos redemoinhos-portais do tempo
dessas bolhas
no barlavento direcionado
nas embarcações
ecos mudam de direção

jangada


líquido subtraindo a sua superfície

percorre
o quase-não-move

líquido subtraído da lembrança: uma sensação
no lume dessa luminosidade vibrante
na semi-ilha de imensurável ser
na efervescência que escalpela
o breu rastejante transcendente mórfico

sob a espelhagem

jangada

rabiscando o traçado desse percurso
multívoco refletido
no movimento-serpente
que flutua o corpo
dessa alga-movente
no jabal que ensereia os galhos
dessa imensidão transvestida

e o gemido inaudito
no ruído das pedras
nas fendas da amplidão
no rio que transcreve memórias...
enquanto peixes percorrem o infinito

iv poemas perdidos


para Luiz Fernando Cheres
e a sua descendência

existem iv poemas perdidos

dentro do tempo-ausência
e uma faixa clandestina na memória

existem iv poemas
que carregam a densidade das horas
e um temporal de silêncios-infensos-sibilantes

existe uma madrugada calma
nas vértebras da noite fantasmas
sussurros e grilos habitam as praças
enquanto descansa o barulho
da palavra não dita


mares livres I


carrego nos olhos esperanças horizontais
antilhas de versos entulham-se ante a angra

[esperar é insônia em descanso
canto do espaço insonoro,
sonho, reflexo do encanto]

a alma enfada-se
sem
querer e pedir

a linda horta desanda
ímãs atraem miragens
encontram arcas

o enquanto encalha
estrelas sobre o abismo
brilham na noite do esquecer

no peito, espetos sangram o lodo
-– lobo desorbitando um lar
no peito, um seio esmera olhos
mortos alinham o mar


Tiago Rabelo (Teresina-PI), professor e historiador; autor d’As Vozes desse Rio (Editora Multifoco, 2018). Têm poemas e textos publicados em sites, blogs, jornais e revistas literárias da internet.



curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição 

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