O EVANGELHO DO DESCALABRO: POLÍTICA E RELIGIÃO - Por Ana Meireles


O EVANGELHO DO DESCALABRO: POLÍTICA E RELIGIÃO


Quando sentei naquela mesa pretendia escrever o meu melhor texto e falhei. Falhei porque todas as vezes que se antecipa a ideia do melhor, meio caminho está comprometido com a ideia deperfeição. Esta ideia é causadora de muitos agravos, inclusive na saúde mental.Queremos nos sentir perfeitos para o olhar e a avaliação do outro e é quando somos apanhados pelos escorregões das imperfeições. Veja, sustente o olhar para além de si. Há graça no fazer de quem nunca erra? Existe isso, quem nunca erra ? Não, não, não, não...!
É de praxe começar errando para depois acertar. Quer saber, vou te contar como foi que eu fiz para tentar vencer uma timidez que me visitava nas horas mais desesperadas, as que eu ia apresentar seminário enquanto cursava minha graduação. Eram esses momentos sentidos por mim com verdadeiro horror. Me prendia, fixava nas ideias do que as pessoas poderiam pensar de minha performance. E uma bela manhã, antes da apresentação do dito seminário me vi com o coração acelerado, a mil. E tive a in-feliz ideia de tomar uma taça de vinho, estômago vazio, às dez da manhã. Ah, meu Deus! Fui salva pelo gongo, uma situação inesperada no exato instante em que comecei a falar. Na outra sala, a divisória de parede era de pouco abafar os sons e, minha voz fraquejante, foi concomitante saindo com uma música provinda da outra turma, na sala adjacente. 
Aquela música que agora já não lembro mais qual era, entrou nos meus sentidos, meus ouvidos de porta aberta.
Embarquei naquela onda sonora, relaxei. Resolvi ignorar aquela turma e professora que me olhava, olhava sem ver, para poder falar de Durkheim de quem antes nunca tinha ouvido falar. Ah, eu falava do conceito de anomia sem nem atinar o que era mesmo um Estado de Anomia. Agora sei, bem sei...Vivemos ele no mais forte incremento da maldade vestida de religião de mãos dadas com a política. Nesta parceria, incursão de soldados à La Anti-Amor, existe um destrato justamente com o próprio Amor. Neste destrato, os correlegionários são guiados pela vetusta ideia da perfeição.

Teleguiados por um evangelho, o evangelho do descalabro, que se sustenta na manutenção de um fanatismo religioso, mortífero do ponto de vista da defesa da vida. Daí persistir a postura teimosa e negligente com a vida, o esquecimento da célebre orientação cristã “faça a tua parte que Deus faz a dele. Não! Fanáticos assumem o lugar de Deuses, portanto, seres perfeitos. Ignoram deliberadamente o conhecimento para se lançarem com a sua falácia como portadores da cura, aqueles que, contrário ao que acreditam, renunciam a sua condição de imperfeitos para fazer justamente a inversão atirando sempre a primeira pedra nos irmãos. Mas este ano, este ano, caiu por terra toda a alegoria dos milagres. 

Nunca fizeram e nunca fazem milagres. Se imiscuíram na história da vida política do país para acelerar a maldade, a maldade que segue o trajeto das injunções humanas. A que busca espelhar-se num modelo avesso aos direitos humanos e cujo ideal de perfeição se embasa no aniquilamento do outro, o que pensa e sente o viver de modo diferente. Desde quando aprendi que não precisamos provar nada para ninguém, ciente da minha imperfeição, foi que me dei conta da anormalidade de ser feliz do jeitinho que sou. A minha religião tem a ver com saber respeitar os irmãos que seguem comigo na imperfeição. Fui aprendendo devagar que não precisava do vinho para beber da vida a sua fugacidade fugindo de mim. Fiquei comigo, me olhei e gostei!




ANA MEIRELES - é poeta e cronista - nasceu em Icoaraci Distrito de Belém do Pará em um belo domingo de Páscoa como dito por sua querida mãe Leila. Atualmente é servidora pública com formação em psicologia pela UFPA. Tem diversos livros publicados, entre poesia e crônica, esse ano faz sua publica seu primeiro livro infantil. 



curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição

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