POEMAS INEDITOS DE KARLA LIMA
Voluptuosa
saudade
A luz amarela escorre pela parede
por ela,
as palavras retinem,
gemem,
escapam da sede dos beijos
e se dilatam.
Sinto na carne o arrepio,
por baixo um gozo que alucina
se repetindo, contínuo
rio caudaloso
de desejo e sina.
Prove minha pele
numa carícia ardente,
deslize entre os meus pêlos
num deserto vasto e quente,
penetre,
perpasse
adentre...
Vida
entre frestas
Já tive anseios diminutos,
resumidos em um único rosto,
agora distorcido.
Nesses tempos,
permiti que a beleza
me viesse imposta por esses olhos.
Com eles e neles,
se resumiam
quase todos os meus anseios.
Ansiosa e sôfrega
esperava sem fim,
aos poucos, sua ausência
adquiriu um tom onírico,
inexorável e ligeiro,
do qual me esqueceria
em horas parcas.
Retornei à velha trilha,
meio ferida e enfraquecida,
crescente e solitária
ao som de mil nãos retorcidos.
Arrastei essas lembranças
como ferros,
brasão,
ferida na carne,
até se esvanecerem nos anos
entre os contornos de uma vida.
Liberta,
abandonei a pequenez
de anseios tão resumidos,
me apropriei do cinza dos dias
como um troféu
e um olhar de fome,
de quem busca em ansiar
um caminho só seu,
inscrito em seu nome.
Etimologia
poética
Gosto de palavras velhas,
cheias de densidades
as que não caem em desuso,
rebuscadas em seus entraves,
e carregadas de sentidos sub-reptícios.
Aprecio os acentos de memória
que demarcam o território
de uma letra fantasma,
como os que aparecem em
algumas palavras francesas.
Aprecio as línguas mortas
enterradas em outras eras,
dialetos,
idiomas,
regionalismos.
Quid pro quo.
Num escambo sem as confusões,
da língua mãe portuguesa.
E em troca
as palavras me enleiam,
viram versos sobre o que for,
linguagem melíflua e secreta
ou explícitas declarações de amor.
Entendo meu gosto por palavras,
delas nasce a poesia,
mas o seu sentido encoberto,
é maior que tê-las reunidas.
Palavras trazem consigo
um declarado mistério,
não esclarecido por dicionários,
continuum na vida e etéreo,
para o qual simples chave não basta.
Para elas nada é óbvio,
pois as palavras são um vício,
embriagante feito o ópio.
Desencanto
fracionado
Me vejo em fragmentos
retalhos dos anos,
cacos dos dias
fiapos das horas,
desvanecendo-se...
Não me enxergo na totalidade,
são pedaços de sentido,
metades de um tempo perdido,
onde encalham as lembranças.
Um rol de nomes
com o mesmo fim,
são homens, são gente,
mas ainda assim,
já não se sente
o sentido de estarem ali.
O papel envelhecido,
como riscos numa pele,
mostra que a mulher no espelho
não endureceu o olhar,
o devolve em desafio
cortando o vidro dos anos fragmentados
na memória da vida em que está.
No tempo,
sou ela e não sou,
não me vejo inteiriça
e sim recortada,
e o verso se alinha e reúne
o que os olhos não vão dizer:
Que dentro de si
não é possível se ver,
falta distanciamento,
é preciso sair
e um momento se olhar
com os olhos de fora,
para só então mergulhar.
O
que não foi...
A chuva cai espessa,
na meia luz,
mergulhos rasos
em telas luminosas...
É o fim do carnaval
e as horas se vão
girando sem pressa,
num vendaval de cinzas...
Garganta sufocada,
palavras contraem o pulmão
o não dito aperta o peito
e chove por fora
das horas de espera
nas asas de um avião...
Tempo no ar, em suspenso
a vida em turbulência,
voltando pra casa,
estranhando por dentro
o rebuliço de versos
em turbilhão...
E tudo se desloca
despontam as dores silentes
o desejo de transcendência
crescente e inquieto
arranha as cordas vocais
e se estabelece nos sonhos...
Fim de festa
por dentro só o silêncio,
um brilho opaco flutua agora
no que poderia ter sido,
se fosse a hora...
Karla Lima - Foi poeta de gaveta por anos a fio. Vive sua intensidade que transborda nas palavras, que lhe assaltam de tempos em tempos e em dias cinzas ainda mais. É autora do livro “Sobre deitar no tempo e esquecer do chão” publicado pela Editora Penalux em 2020. É uma mulher mutável, sob influência do signo de Câncer, e isso se dilata do seu gosto por viagens aos seus cabelos azuis.
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