Hawaizinho - crônica de Danielle Fonseca

 


Hawaizinho


Yes of course it’s fine tomorrow, é claro que amanhã fará um dia bonito, diria certamente

Priscila, como se fosse uma personagem do livro “Rumo ao Farol” de Virgínia Woolf. O

plano era o seguinte: acordar cedo, caminhar pela Praia Grande, Prainha até chegar na

Praia do Farol.

No dia em que fui mais feliz... aprendi a descer pela raiz de uma gigantesca árvore que

finalizava num penhasco, dando vista ao farol. A única maneira de chegar mais rápido lá

naquelas ondas era essa, já que o acesso pela escadas eram de propriedades privadas. Meu

farol, meu setor, que vim a descobrir mais tarde já ter outro dono, ou melhor outra dona,

a escritora Maria Lúcia de Medeiros.

"Hawaizinho". É assim que chamamos aquela região que começa na Ilha dos Amores e

termina no Farol do espadarte. É assim que chamamos aquela área cheia de pedra e

mínimas ondas perfeitas em sequência. É assim que chamamos nós, os surfistas daquele

setor.

No dia em fui mais feliz... li “Zeus ou a menina e os óculos”, na década de 90, e era eu

aquela menina. Foi a primeira vez que li Maria Lúcia de Medeiros, e ainda nem imaginava

que dividíamos o mesmo quintal, a mesma praia. Mas sabia que aquele nome habitava

numa plaquinha na Travessa 14 de Março, bem em frente à minha casa em Belém. Olhei

a capa do livro e conferi a placa: "Curso de redação com Maria Lúcia de Medeiros" ou

algum texto parecido com esse, era o mesmo nome: Maria Lúcia. Nunca fiz o curso, mas

um dia fui lá somente para pegar informações e olhar aquela mulher com lindas

sobrancelhas desenhadas Gretagarbomente.

Sim, entre o Farol e a Ilha tem o “Hawaizinho”, “como assim nunca te contei?!” Não

chegava a ser um secret point, mas um ponto protegido, a última onda do dia, a onda só

por diversão e perigo, pedras por todos os lados. Dizia um dos surfistas: “vocês viram

aquela arraia?;” “quem tem coragem de pular lá de cima do Farol?” Instigava o outro.

Talvez para ti que era da literatura, fosse liberado revelar esse lugar.

Acabei não te contando, assim como acabei não indo conversar contigo no dia que

lançaste “Velas por quem?” Peguei um autógrafo, você perguntou o que eu fazia, eu disse

arte e literatura, omiti o surfe, fiz uma foto tua bem de longe, o Max Martins estava bem

ao teu lado.


Há uns anos atrás, fui convidada para ficar na tua casa lá da Praia do Farol. Levei minha

prancha, os pés de pato e o “Rumo ao Farol” em inglês, To the lighthouse. Acho que

queria me exibir para sua memória. Chegando lá, fingi naturalidade ao entrar naquela casa

que via quase sempre que ia pegar onda, mas não sabia de quem era. “Venha ver a

biblioteca dela, olha só quantas versões de Virgínia Woolf”, me disse seu filho. Brinquei

dizendo melhor deixar trancada, aqueles faróis todos ali me olhando, acenando, shine

bright like a diamond.

A noite tentei ler novamente o capítulo The Window. Na verdade só li o título, na cabeça

uma velha canção Outside the rain begins, And it may never end, So cry no more, On the

shore a dream, Will take us out to sea, Forever more, forever more. Acho que tocava no

bar do seu Zacarias, não lembro, talvez fluxo de pensamento, dirias em uma palestra sobre

Virgínia Woolf, Close the window, Calm the light.

Nessa noite soube que tuas cinzas foram lançadas ao Farol, soube também que eras do

signo de aquário e que nesse dia não haviam surfistas no “Hawaizinho”. Todos os

hóspedes do Hotel Farol disseram que, pelas janelas, viram espécies de faíscas misturadas

às tuas cinzas que voavam pelo Farol In To Inside Lighthouse e brilhavam intensamente

feito diamante e brilhavam intensamente feito diamante.


Danielle Fonseca

11 de Fevereiro de 2019 a 18 de setembro de 2020.

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Foi um "Sunshine on my shoulder" (ouvia nos anos 80, e sigo sem saber quem canta) esta sua crônica; leve mas com a magia sonhada pelo mundo que só a literatura alcança (o cinema pode chegar perto - e como arte, ele também é literatura).
    Gostei muito. Abraço.

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