SAIBA SORRIR APESAR DA MESMICE DA ROTINA - crônica de Ana Meireles


SAIBA SORRIR APESAR DA MESMICE DA ROTINA 


Na cozinha, as louças na pia e a reclamação de sempre: A pia está cheia de louça suja. Entretanto, um rápido olhar denunciava o exagero. Quatro copos, três talheres e os olhos já encontravam os argumentos para iniciar uma reclamação. Esta que não pode faltar nos dias para dar o contorno de que a rotina segue.

A rotina é essa coisa que se levanta após horas de boa dormida ou não, e vê as imagens do dia pinceladas de mesmice. O cardápio de sempre, oferecido sem solicitar qualquer mudança. Algo que acontece e demarca o inevitável da vida humana: Alguns vão sujar, encher a pia de louça e não vão lavar; Outros , pelo muito, pelo pouco, hão de reclamar. Estão exercendo a sua lógica de ser. Reclamar faz parte da imperatividade do viver. 

É imperativo que se reclame de algo que incomoda , como quatro copos e três talheres? Vá lá se saber como o corpo expressa as insatisfações da alma. A retórica da rabugice preenche uma falta vestida de antipatia. Preciso cuspir o que me desagrada de algum modo. Isso acontece com muitos de nós. Todavia, a vida já tão baratada das mesmas coisas, precisa ser continuamente revirada com páginas renovadas. 

O suco do limão pode ficar menos ácido se você pôr mais água. Faça isso, ponha um pouco de doçura nas palavras, o mau humor amarga. Olhe, olhe para o céu, veja os urubus voando, circulando. Certamente estão farejando uma carniça, sempre estão a fazer isso, mas, veja, eles de modo algum perdem a elegância por mim tão admirada. Eles batem pouquíssimas vezes as asas e planam na maravilha que é voar na imensidão do nada. 

Talvez eles saibam que tudo pode ser tudo e tudo pode ser nada. Observe como as coisas funcionam: Se der para gozar e rir, mesmo que não seja piada, você já está delineando outros contornos a sua rotina. Ria de si quando se surpreender reclamando. Pense naquela pia de poucas louças sujas que alguém reclamou como se fosse a pior coisa do mundo. E lembre que você também reclamou quando abriu esperançoso a geladeira e só havia muito de indiferente, garrafas de água. 

E também reclamaste e ouvistes: “Ainda vai ficar pior".  Lembre-se disso e sorria, eu sempre achei a vida uma piada. Reclamamos, amiúde, uns dos outros. Isso é a rotina da vida privada! 




ANA MEIRELES - é poeta e cronista - nasceu em Icoaraci Distrito de Belém do Pará em um belo domingo de Páscoa como dito por sua querida mãe Leila. Atualmente é servidora pública com formação em psicologia pela UFPA. Tem diversos livros publicados, entre poesia e crônica, esse ano faz sua publica seu primeiro livro infantil. 


curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
II edição

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