Dois poemas de Franck Santos
OITO MESES
O despertador continua tocando todos os dias
Inabalável, às seis da manhã.
Não o silenciei
Mesmo sem levantar oito meses na mesma hora
Para trabalhar oito horas por dia.
Esqueci, inclusive, em qual gaveta deixei meu crachá e esqueci meu código funcional
Com os quais não poderei marcar presença na empresa ou acessar o sistema computadorizado.
Após trinta anos acordando no mesmo horário, o despertador continua programado
Seria uma lavagem cerebral inconsciente?
Confesso, nesses meses em casa tive vários processos pessoais
Como ter um cachorro, cultivar plantas e transformar a casa numa urban jungle
Comprar artesanatos e não mais peças em lojas de decoração.
Deixei de ser minimalista.
Descobri ter a vocação de um comediante, a coragem de um suicida e a liberdade de um turista, mesmo sem ir ao portão.
Lembrei de Jorge Luís Borges, que cego, teve como assistente pessoal sua mãe, já que não visitei ou fui visitado por amigos e/ou parentes, mesmo quando estive doente.
Soube numa revista que quinta-feira é o melhor dia para fazer sexo e a sexta para parar de fumar. Eu que não fumo, disse que começaria a fumar numa sexta e fazer sexo aos sábados, distorcer as pesquisas, não ser estatística, ser rebelde aos cinquenta anos.
O máximo que fiz foi entrar num aplicativo de paqueras, tomar o desjejum como se fossem os almoços e passear com o cão ao meio-dia.
Na minha solidão de quando o despertador me acorda às seis da manhã
Caberia dois
Mas nem os pássaros se atrevem a cantarolar nas árvores do meu quintal.
como escrever roteiro de um filme:
Se você tivesse ficado
Mostraria a beleza da
violência escarlate de Tarantino
As cores fortes de
Almodovar
Talvez me tornasse um
jardineiro fiel.
Mostraria todo o talento
de Audrey Tautou
As múltiplas faces de Jack
Nicholson
Como grito, sem querer,
em filmes de terror.
Se você tivesse ficado
Mostraria toda a
melancolia da bossa nova com Nara Leão
Faria você se apaixonar
por Letrux, Karina Buhr, Thiago Petit, Liniker, Johnny Hooke.
Haveria tanta coisa para
ler
Se você tivesse ficado
Passar sem Caio Fernando
Abreu seria inegociável
Seja para falar na
alegria do amor que começa, que fenece, as agruras da solidão, a loucura
compartilhada.
Passaríamos pelos enigmas
de Clarice Lispector
Os lamentos de Susan
Sotang
A saga de Elena Ferrante.
Se você tivesse ficado
Guiaria você pelos
silêncios noturnos da casa
Mostraria a nostalgia dos
ipês florescendo nas manhãs
Aprenderia a cozinhar
Decifrar estrelas,
quadraturas, ascendentes e descendentes, mapa astral.
Faríamos fotografias
Planos de um mochilão
pela América do Sul.
Se você tivesse ficado
Não escreveria seu nome a
chave, nas portas dos banheiros, cartografia da memória.
Franck Santos é um homem comum, ilhado em São Luís, cidade esta que tem mar, porto, muitas histórias, sol e céu azul o ano inteiro, mas prefere dias nublados e chuvosos, uma casa no campo, vinho e blues.
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