03 poemas de Guilherme Aniceto
(Walter Andrés Caicedo Mosquera)
Um pássaro no caminho para casa
A notícia de sua morte não correu
Pelas bocas de matildes,
Tampouco os veículos sérios
Atropelaram-nos com notas de pesar.
Um pássaro morreu no caminho para casa.
E tudo que se sabe a respeito
É que o pássaro tinha asas e voava,
Tinha bico e cantava,
Tinha penas e penava.
Penava para viver entre galhos
Em frangalhos.
Um pássaro morreu no caminho para casa.
A bem da verdade, o corpúsculo estirado
Na margem da avenida
Não dizia que o caminho dava em casa.
Quem conheceu o pássaro jura
De pés juntos que
O caminho dava em violência,
Abandono e intolerância.
Difícil ter voz para cantar
Num mundo que não quer ouvir música.
Um pássaro morreu no caminho para casa
Porque a casa não era lar.
Era revolta e o caminho
Era sem volta.
Sem mais voos, sem mais canção,
Um pássaro se atirou
Contra meu para-brisa.
Silente
Até ontem, durou a paz.
Anteontem, havia esperança.
Hoje, esconderam-se todos.
Casaram-se os casais que podiam
Até anteontem, quando havia esperança.
Já não andam de mãos dadas,
Todavia, desde ontem,
Quando a paz teve fim.
O medo emerge porque o perigo espreita,
Silente, nos olhos vermelhos
E nas cabeças encapuzadas dos homens.
Um voto só foi capaz
De implodir toda uma estrutura
De anseios e conquistas.
A face dos preconceitos venceu.
Até ontem, durou a paz.
Anteontem, havia esperança.
Hoje, esconderam-se todos.
Escondo-me agora
No abraço desviado
E no beijo de soslaio.
E amanhã...
Tenho medos e vontades
Que explodirão cabeças e dominarão artérias,
Falos e lábios, toques e batuques,
Em harmonia.
Silente, eu sonho.
Filho de Boto
Deu-me um beijo na infância,
Quando eu conheci a história
De seu poder de seduzir.
Tornei-me filho de boto,
Comecei a ter impulsos
Que eu mesmo não entendia
Na flor da minha idade.
Um broto eu era ainda,
Nem folha, flor ou fruto
Haviam germinado
Na semente que eu era.
O boto-cor-de-rosa
Deu-me um beijo e foi-se embora
Quando eu tinha uns oito anos
E os meninos eram maus.
Tornei-me filho de boto,
Transviado e sem vergonha,
Deram nome de animal
Ao meu novo proceder.
Veadinho era meu nome
Nas cirandas do ginásio,
Nas queimadas do meu morro,
Nas rodinhas sociais.
Fui-me embora para o quarto,
Resguardei-me nos meus livros,
Conheci muitos lugares.
O boto-cor-de-rosa
Deu-me um beijo na bochecha,
Eu cresci e dei a ele
Beijinhos quentes de língua.
Tornei-me filho de boto,
Eu já era assim no ventre,
Mas quando eu nasci me deram
Roupas que não serviam.
Vestiram-me de filho macho,
Puseram-me junto à ninhada,
E assim eu fui criado
Como uma grande mentira.
Mas o boto-cor-de-rosa
Deu-me um beijo na moleira,
E a criança em mim brotou
E tornou-se uma roseira.
Guilherme Aniceto é mineiro, escritor e autor publicado pelas Editoras LiteraCidade (“Nós Líricos”, 2015, Poesia), Penalux (“Guerra”, 2017, Poesia) e Qualis (“Aglomerados”, 2020, Poesia e Prosa - coautoria). Além de colunista fixo, é editor da Revista Subjetiva, publicação eletrônica na plataforma Medium.É graduado em Administração de Empresas, Especialista em Contabilidade Pública e graduando em Letras – Português/Inglês.
Walter Andrés Caicedo Mosquera: nasce na Colômbia, no município do Puerto Tejada; departamento do Cauca. Faz estudos profissionais no instituto Departamental de Bellas Artes, Cali. Seu trabalho artístico está desarrolhado em dois direções. O primeiro, desde as práticas e rituais fúnebres afrodescendentes do norte do Cauca. Deixando ver aspetos muito importantes da comunidade, como a interação social, a memória, e a tradição. O segundo, desde o desenho, donde ele explora elementos da identidade afro, a sexualidade e o erotismo.
Só tenho aplausos! Muitos aplausos. Seriam poucas minhas palavras pra expressar quanta beleza senti nos seus versos. Obrigado
ResponderExcluir