06 poemas de lyanna alisse

(Élle de Bernardini)



Ser mulher


Ser mulher é viver apesar dos percalços

é crescer apesar dos asfaltos

é dançar apesar dos arautos_

_dos reis, evangelhos, das regras do mundo e da dor 

da terra pisada por tanto boi, gado, de terno e gravata

que nos ata

a mulher desata

Ser mulher é revolução.



 

Desorientação 


pansexual

ou bissexual

ou sexual

as vezes nem sexual é

só sentimental

e coisa e tal

e tal e coisa

se deixar ir pelo que se sente

sentir

não interessa a orientação 

sexual

a vida não é uma bússola 

o caminho nem sempre é reto

fluindo na estrada, seguir

o (a)mar não é regular


chuva arrepios gotas no telhado


Cai e molha meu corpo

Desfaz as camadas da minha roupa

pele

Como um raio que molha

de baixo pra cima

de cima pra baixo

quero sentir o chão

não mais pedaços de concreto

navegar meus pés na terra 

enquanto a água me inunda nua.







Parada de cabeça


de cabeça pra baixo

mar vira céu

degradê


(Élle de Bernardini)


ALIEN 


Que me vejam como sou

a figura desfigurada de uma sociedade em chamas

quimera monstruosa aberração discrepante improdutiva inútil insuficiente imperiosa


me concebo como anti-heroína

me chamem vilã

discorram sobre a eu-anomalia durante 15 minutos dos seus chás da tarde, 

ou_ 

nas suas teses de pós-doutorado em psiquiatria, biologia, sociologia

ou_

entre risadas, amigos e bebidas num bar brega de suas cidades bregas

e só. 


sigam suas vidas normais, felizes e robóticas

aplaquem suas dores nos colos de outras pessoas semelhantes 

regojizem de suas existências maravilhosas


muita alegria me dá alergia


ignorada lhes ignoro,

não como se os invejasse,

se assim fosse seria mais fácil,


desejo dissolver toda construção que fazem de si

transbordar o rio 

inundar a cidade




dramática inveterada – em III partes


I -

queria escrever uma ode à tristeza

e nela colocar todas as minhas dores, chatices, unhas encravadas

cravos

que me cravei nua em frente a mim e ao medo

de mim

in_satisfeita, im_paciente, in_tensa

so_litude, so_lilóquio, so_lidão

só_

entristeci a tristeza

só_

e fiquei alegre.


II -

Dormi e sonhei

só, 

e sonhei

só,

e sonhei

só,

e já não queria acordar

mais, 

enebriei-me junto a Hipnos e Tânatos

viajei entre Morfeu e Morfina

me perdi, me achei, me perco, me acho, me,me,me

meowwwwwwww


acordar em meio às nuvens teias cinzas que enredam meus pensamentos, perdimentos, caminhos desconstruídos reconstruindo-se com sinapses rizomas que lutam para reviver a vida e Por quê? Pra Quê? 

‒ Tensiono a corda

---------

fiz um pacto sem palavras com a existência

ouvi os avisos ao atravessar a ponte, 

todes que cruzam ouvem,

algumes passam

e aí caem

na profundidade do oceano trans_

atlântico

caim

ataca, ganha e perde.

Dorme abel

na profundidade

debaixo da pinguela

de olhos abertos 

respira

sem arrependimentos.


III - 

Cobras trocam de pele

e sinto falta da sua _pele

_para poder dormir


Loba guará no cerrado

dias de solitude

com a chuva a se cobrir




lyanna alisse é uma mulher, 29 anos, trans, pan, demi, vegetariana, atriz, esquerdo-ativista-que-come-castanha-do-para-pq-tem-selênio, femininja, programadora frontend, bailarina torta, se desentorta, se re-entorta, tireoidite de hashimoto, suplementação de b12 e estrogênio, futebol com animes, romance com política e rpg com maquiagem, rabisca desenhos e letras, café suco chá,  4 tatuagens, quer fazer a quinta, tem sdds do mar, conversa com o mar, com plantas, com bichos, conversa sozinha, conversa seres imaginários, solteira sim, sozinha também - zueira – tem muites amigues! mas não tem instagram, nem tinder – prefere cartas, poesias ou coisas feitas a mão, trabalha com tecnologia e tem gostado da área, um poço de peculiaridades.


Élle de Bernardini (Itaqui, 1991) vive e trabalha em São Paulo. Tem formação em ballet clássico pela Royal Academy of Dance de Londres. Sua produção permeada por sua própria biografia de mulher transexual. Suas obras abordam a intersecção entre, questões de gênero, sexualidade, política e identidade com a história da humanidade e da arte. Seu trabalho vem sendo exposto em instituições nacionais como, Museu de Arte de São Paulo/MASP, Museu de Arte do Rio/MAR, Museu de Arte do Rio grande do Sul/MARGS, Museu Nacional da República, Memorial da América Latina, MAC-RS, Pivô Arte e Pesquisa, Farol Santander, Centro Cultural São Paulo. Suas obras integram importantes coleções como, Museu de Arte do Rio Grande do Sul / MARGS, Porto Alegre. MAC-RS, Porto Alegre. MAC-Niterói, Rio de Janeiro. Coleção Santander Brasil, São Paulo. Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro. Museu de Arte Moderna do Rio, Rio de Janeiro. Fundação de Artes Marcos Amaro, Itu e Museu Nacional da República, Brasília.



 Variações: revista de literatura contempôranea 

III Edição
Curadoria de Franck Santos
Edição de Marcos Samuel Costa
janeiro LGBTQIA+ 
2021





Comentários

Postagens mais visitadas