Poema de Guilherme Campos


 

Ao amor

Ó desertor da inerente plenitude,

Infame rei dos atrozes sentimentos,

Ouço-te, bebo-te, sinto-te e, amiúde,

Vago incrédulo em ti em lapso e lamento.


Encontraste na afável polimorfia

O substrato ao mais esplêndido embuste.

Já foste abraço, afago e canção um dia,

Agora, impalpável corrosão do fuste.


Só, choro em pesar ao ler cartas antigas.

Belo é o desatino do inócuo amor,

Que fermata no peito como cantiga.


É tão lindo o que o mundo em papel faz sentir.

Já fui prolixo, inocente e acolhedor.

Mas nunca serei amor como fui a ti.


O travesseiro entre as pernas

Costumávamos dormir em uma cama estreita, abraçados. Agravando a falta de espaço, eu tinha a necessidade de ter um travesseiro entre as pernas para dormir confortável. Ela constantemente reclamava que isso ocupava demais a cama e que era desconfortável - sempre brigávamos por causa desse meu hábito.

Ontem, bêbados, em uma cama espaçosa e com diversos travesseiros, dormimos abraçados novamente. E mesmo após anos separados, ela, inconscientemente, colocava a perna flexionada para trás para que eu tivesse algo em que apoiar as minhas. 

Nem toda a emoção de uma carta romântica, nem o beijo mais ardente, nem o olhar mais apaixonado consegue ser tão profundo quanto foi essa inocente declaração de amor.


Ao amor

Quando tu abraças o amor,

Se esvai todo medo, receio,

insegurança e temor.

Quando fermata no seio

A nota incerta, o frescor

Do encaixar de almas,

                             [Nada mais importa.


Quando tu tocas a alma,

Despertando a harmonia,

A solidão vira dia

                            [e nada mais importa.

Quando precioso o momento,

E vem dos céus o acalento,

                             [nada mais importa.


Quando, abruptamente, a afável 

Poesia se cria e recita, 

como um coral em sinergia,

                              [nada mais importa.


Enquanto perdurar tal sentimento,

Digno, forte e corpulento

A pausa de semibreve soará

                              [e nada mais importará.


Amor em 2020

Dói ver o amor e não poder tê-lo, senti-lo sem o poder tocar. Tudo que tenho são pixels e um vazio. Sempre que te vejo sinto o coração arder em felicidade, me sufoca, machuca. É doloroso como almas podem se encaixar, se misturar e transcender o limite do real. O imaginário, antes zona de conforto, confronta, esmaece. Se desabrocha a flor da alegria, é porque a esperança bate à porta, envergonhada. Se a luz dos dias roubada se aproxima a cada dia e a cada fatídico dia, é porque eu sei que tu és minha - e serás até o fim.




Guilherme Campos é estudante de Nutrição na Universidade Federal do Maranhão, vocalista e guitarrista da banda Narciso e escritor nas horas vagas. Escreve sobre amor e sobre suas angústias de forma a romantizar até a formiga que passa por cima do seu pé, como enfrentando o medo da fúria de um gigante oponente.



Variações: revista de literatura contempôranea 

V Edição
Edição de Marcos Samuel Costa

2021

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