Crônica de Ana Meireles



Tampas e penicos 



Durante longa parte da minha vida enfrentei muitas dificuldades em me fazer compreender. Uma: Existem pessoas que não dão chances para o outro. Têm boca, mas não possuem ouvidos de escuta. A intransigência muitas vezes atropela um diálogo saudável. Uma outra situação é que alguns não oportunizam o acontecer de uma interação saudável, ocorrendo uma resposta que interpreto como morte: O silêncio.

Este, o silêncio, se muitas vezes é útil e necessário, também pode alcançar um poder destrutivo considerável. E foi aqui meditando sobre isso, que pensei: Quantos de nós somos em parceria com o outro, meras tampas e penicos, porque a perfeição não nos alcança, apesar de nos acharmos sempre melhores que nossos semelhantes.

Eu queria aqui e agora o faço, relembrar uma parte, o comecinho talvez da minha escrita. Pois foi sempre este caminho que busquei, quando encontrava as dificuldades que mencionei lá em cima. As pessoas, as quais me incluo, costumam muitas vezes julgar e nem sempre nossos precipitados julgamentos se ajustam aquilo que passou internamente com o outro. Minha escrita vem daí e dos lugares cativantes da solidão; E também do fato de muito gostar de pensar sobre as coisas, pessoas, os seres humanos como eu e nossas imperfeições.

Acho que nela encontrei um lugar maravilhoso, onde me ouço e encontro relativa paz por me sentir verdadeiramente comigo. E ser, talvez, a tampa ou o penico, em parceria com alguém deste mundo de tantos falsos perfeitos. A escrita é para mim, uma oração e uma cura, posso dizer. Ela me restaura, me recoloca, me situa. Por isso, por isso, sinto que Deus existe, ao me ver debruçada sobre um papel ou meu celular, e as palavras derramarem na vazão inefável dos sentimentos.


 



ANA MEIRELES - é poeta e cronista - nasceu em Icoaraci Distrito de Belém do Pará em um belo domingo de Páscoa como dito por sua querida mãe Leila. Atualmente é servidora pública com formação em psicologia pela UFPA. Tem diversos livros publicados, entre poesia e crônica, esse ano faz sua publica seu primeiro livro infantil. 



Variações: revista de literatura contempôranea 

V Edição - todas as vozes 
Edição de Marcos Samuel Costa

2021

Comentários

  1. E assim, muitas vezes na nossa solidão, é que nos citamos, por meio do que nos define: nossa escrita.
    Parabéns, Ana, pela crônica reflexiva.

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  2. Que maravilha de texto😊
    Gostei da parte: Existem pessoas que não dão chances para o outro. Têm boca, mas não possuem ouvidos de escuta. A intransigência muitas vezes atropela um diálogo saudável. Uma outra situação é que alguns não oportunizam o acontecer de uma interação saudável, ocorrendo uma resposta que interpreto como morte: O silêncio.

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  3. Gostei muito do seu texto, escrever pra mim também é oração silenciosa e cura.
    Escrevamos então ....

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