Abril - conto de Rosa Peres

 

(Penitentes, por Guy Veloso)



Abril

 

Chovia muito forte, era uma chuva quimera dentro de mim, e por estar encharcada, chorava lágrimas de chuva, mesmo com o corpo em chamas. Os pássaros que outrora habitavam em voos cotidiano, alimentando o meu ego, foram desengaiolados e partiram naquele abril febril. Os muros construídos e erguidos por uma vida estavam mais espessos e altos; os tijolos, matéria-prima daquela construção interminável, interna, haviam comprimido o jardim que florescia com tantas borboletas, até os girassóis de Clície sofreram inflorescências do deus Hélio, as flores estavam murchas e eu terrivelmente só. Mas existia uma força que não amava aquela chuva interminável e aquele muro mal. Eu precisava sair daquele sonho e libertar tantos fantasmas, existentes na proa do meu barco que, navegava em águas turvas, por dentro. Eu precisava.

O sol que existia, reluzia apenas nos postes, a minha luz estava fraca. Apagada. Amarela, dois lados do caminho; as pedras atiradas durante a jornada, viraram paisagens rochosas. O silencio sepulcral perdurou na escuridão dos dias e noites; o céu estrelado estava preso dentro da caixa de pandora ou na caverna de Platão. E eu imensamente só, andando quilômetros em labirintos côncavos e convexos, por meses a fio, com um medo terrível de afundar cada vez mais, talvez no poema sujo.

Abril ariano de intempéries tempestades, dentro do meu ego, meus dragões e fantasmas haviam engolido o óbvio. Eu estava sufocada estendendo as mãos até mesmo para as bruxas de Salém para aliviar meus embruxamentos. Inacreditavelmente, meu calvário, era eu mesma; por isso precisava vencer todos encantamentos e tempestades.

Abril tempestivo, ainda no imenso. Diz que tudo acontece nele.

Tristeza, descompasso e desesperança avolumaram-se, criando involucras crisálidas sem previsão. Eu tentando atingir minha missão de pássaro, porém, cerceada por uma procissão de gaiolas fechadas, aprisiono meu sonho de voo.


Rosa Peres é autora do romance "A oração do cacto" (editora folheando, 2021)

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