O GATO SOLANO - conto de Gigio Ferreira
Aldemir Martins - Gato amarelo (2000)
O GATO SOLANO
Solano, o gato, era o mais inusitado animal
de estimação naquela residência. Havia outros animais, é claro! Tais como:
papagaios, cães, galos e galinhas no quintal arborizado.
Solano quando ouvia a palavra bichano sendo
pronunciada pelo seu dono, sempre reagia da maneira mais insana: “Já falei para
o meu humano que o meu nome é Solano! Solano! Quando é que me tornarei um ser
humano para o meu humano? Meu nome é Solano! Solano!”.
Nesses momentos, Solano não miava, apenas
latia de forma estranha. O que naturalmente confundia o seu dono – o rígido
capitão Roberto Amázio.
E quando isso ocorria, capitão Amázio
acabava flagrando Solano latindo como um cachorro bem grande. E o capitão
Amázio repreendia Solano:
- Pare de querer ser um
cachorro! Os gatos miam! Você entendeu? Os gatos miam! Quem late são os
cachorros! Quem late são os cachorros!
Solano apenas abaixava sua cabeça e fingia
aceitar os ralhos do capitão Amázio.
E todas as vezes que o capitão Amázio
precisava sair de casa, colocava água e ração industrializada para Solano.
Solano olhava e depois cheirava. Não gostava
de beber água natural, não gostava de leite em caixa, não gostava de atuns ou
sardinhas em lata. O que Solano gostava mesmo era de sugar leite condensado e
comer filé mignon mal passado. Mas Solano só comia isso quando o capitão Amázio
estava bem humorado.
Solano era um gato estranho até para os
outros gatos que moravam próximo daquela grande casa. Muitos gatos convidavam
Solano para passeios noturnos em telhados alheios. Solano fazia as suas
arruaças apenas pela manhã – quando a maioria dos seus amigos gatos estava
dormindo em sono pesado. Os seus amigos não entendiam o comportamento de
Solano. Alguns gatos desconfiavam
dele, exatamente porque muitas vezes, Solano quando os encontravam – latia alto
e grosso feito um Pastor Alemão enfurecido.
Até que certo dia, um gato Siamês chamado
Godofredo, chamou Solano para uma conversa íntima em cima do telhado. Disse
Godofredo ao demonstrar desconfiança e um pouco de desprezo:
- Solano... Por que você
insiste tanto em não querer ser um gato normal como eu e os demais gatos aqui
das redondezas? – Esbravejou o gato Godofredo ao olhar seriamente para Solano.
- Ah, não me acostumo a
ficar andando por aí utilizando quatro patas! – respondeu Solano ao bocejar e
demonstrar pouco caso com a curiosidade do gato Godofredo.
- Mas nós nascemos gatos!
E o que você pretende fazer com as tuas patas dianteiras? – Indagou indignado o
gato Godofredo.
- Ah, boa pergunta! Se eu
precisar correr ou pular, aí sim, nesses momentos, eu utilizarei as patas
dianteiras... Fora de aspecto um pouco animalesco, meu caro amigo Godofredo,
utilizarei as patas dianteiras para escovar a minha linda cabeleira ou para
também ajeitar as minhas gravatas borboletas! – respondeu de forma arrogante o
gato Solano.
- Ah, você está ficando é
louco! – esbravejou o gato Godofredo ao agatanhar três vezes a cara do gato
Solano – iniciando assim, uma briga em cima do telhado.
Quando Solano retornou para o cantinho
quarto, capitão Amázio – que chegara da rua –, chamou seu bichano diversas
vezes. E como não ouviu nem miados e nem latidos caninos, foi ele mesmo abrir a
porta do quarto.
E ao fazer isso, acabou escandalizado com a
cena que presenciara. Capitão Amázio estava incrédulo ao flagrar Solano
tentando equilibrar-se em suas duas patas traseiras. Refeito do susto, capitão
Amázio perguntou para Solano, o que ele estava pretendendo fazer ao ficar
equilibrando-se em suas duas patas traseiras. Após alguns minutos em silêncio,
Solano finalmente respondeu:
- Ficar andando por aí,
de quatro, me parece a coisa mais estúpida e incivilizada para um gato como eu!
– respondeu Solano com certo enfado.
- É?! Por quê? – indagou
o capitão Amázio com certa curiosidade.
- É preciso fazer poesia
sem escrevê-la! – respondeu Solano ao se olhar no espelho.
- Hum... Você realmente é
diferente! – replicou o capitão Amázio.
- E tem mais... A partir
de amanhã, só usarei terno e gravata! – explicou Solano.
- Mas você é jovem...
Porque não usar roupas coloridas? – indagou o capitão Amázio.
- Mas eu gosto mais da
sobriedade! – explicou Solano.
- O que te faz acreditar
que é na sobriedade que os seres encontrem o verdadeiro amparo quando sustentam
suas razões? – indagou o capitão Amázio.
- Ah... Aqui o riso não
acompanha a velocidade dos séculos! – explicou o gato Solano.
- Tudo bem... Amanhã nós
iremos sair juntos! – replicou o capitão Amázio.
- Sério?! E por que só
agora você está me convidando para sair? – indagou Solano ao olhar profundamente
para os olhos do capitão Amázio.
- Ué? Você já pensa como
um homem! – reagiu capitão Amázio ao insinuar um leve e iônico sorriso nos
lábios.
- Se iremos sair
juntos... Quero primeiro comprar novas roupas decentes para mim! – condicionou
o gato Solano.
- E o que faremos amanhã
cedo! – replicou o capitão Amázio.
E nesse momento Solano pulou no colo do seu
dono para receber diversos afagos do capitão Amázio – seu dono.
Na manhã seguinte, os dois foram vistos
juntos e de mãos dadas. Capitão Amázio era homem alto e corpulento em seus um
metro e noventa de altura. Já Solano, estava impecável em seu terno verde-oliva
um pouco cafona, calçava finos sapatos de pelica e calças engomadas – trazia no
rosto a arrogância típica de um leão ou de uma onça. Quando resolveram entrar
juntos num elegante restaurante da moda, uma distinta senhora bem vestida e
também bastante idosa, não conseguiu guardar sua admiração e surpresa ao
indagar o capitão Amázio sobre tão inusitada companhia:
- Nossa! Que gato lindo
você tem! Qual é a raça dele? – perguntou por perguntar, a velha senhora que
estava passando ao lado do capitão Amázio.
- Nenhuma! – reagiu o
capitão Amázio.
- Nossa! Ele se parece
muito com você? – indagou a velhinha manifestando bom humor e um largo sorriso
para descontrair a conversa.
- Ah, mas o amor acaba
igualando as coisas! Troca de afetos é troca de energias cósmicas! – explicou o
capitão Amázio para a velhinha ao seu lado.
- Por um acaso ele é seu
filho? – indagou a velhinha em sua indelicada pureza.
- Não! Ele não é meu
filho! Mas minha senhora, diga com sinceridade, meu namorado é ou não é um gato
lindo?! – reagiu com um humor inesperado o capitão Roberto Amázio – ao
enrubescer a velha senhora já completamente escandalizada com aquela revelação
inusitada.
Gigio Ferreira nasceu no dia 22 de junho de 1967, em Belém do Pará. Cursou Letras. Sua estreia se deu com a publicação da dramaturgia infantojuvenil, O gringo da Matinta (2014), em parceria com a escritora Miriam Daher, pela Editora Giostri-SP. Com exceção do livro O Palhaço de Arame Farpado (2016), poesia, pela Editora Penalux, as suas oito obras publicadas, foram pela Editora Giostri. Atualmente possui dezoito livros inéditos aguardando publicação.
Variações: revista de literatura contemporânea
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