DAQUI, EM 1976, ACENEI PRA VOCÊ... - por Daniel Prestes

 

DAQUI, EM 1976, ACENEI PRA VOCÊ...

 

Daniel Prestes da Silva

 

“Daqui, em 1976, acenei pra você” e eu ficava a me perguntar que heroína seria essa, aparentemente saída de um romance camiliano, que se se despedia de um amor que se encantava por entre o rio e a floresta.

Me perguntava sempre, do assento que costumava ocupar no ônibus, à direita, na janela, quando passava por aquele espaço da cidade, sempre ansiado nos meus translados acadêmicos. Primeiro nas voltas serpentinas noturnas do tempo da graduação, depois nas idas matutinas dos tempos de mestrado.

Houve até uma vez em que uma crônica eu dediquei a esses momentos. Um tempo em que eu era um flâneur e você a marca de um amor que, por obra de algum deus invejoso, tinha que se manter distante do ser amado.

Hoje, talvez por ação desse mesmo deus, meus caminhos são outros e a aquele tempo só resta sobreviver na memória. Voocê também, agora restaurada e sem mais a marca de um dia ter se despedido de alguém. Memória. Sobrevivência. Fantasmagoria.

É sobre isso que penso agora ao te reencontrar. Não somos mais os mesmos, contudo, há reconhecimento.

Do segundo andar do solar, você me acena. Eu vejo. Com um leve meneio de cabeça e um sorriso no rosto, respondo.

O ônibus segue junto com a vida, como sempre foi. Tempo, que se repete desde antes de mim. Desde antes de ti. Desde antes qualquer pescador e peixe. Desde antes o primeiro urubu e a primeira garça. Na primeira cheia da maré: origem de todos nós, desatados em milhões de furos d’água. De outros. Eu e você, Bejamim.

– Oi.

– Oi.

E o silêncio nos consome. E a vontade do abraço e de afundar meu rosto na tatuagem “dê xêro” na lateral direita do seu pescoço, entre o pé do cabelo e o limite da floresta que é a sua barba cheia, afoga, morre antes mesmo de se concretizar em pensamento.

– Tudo bem?

– Tudo. E com você?

Como dois e dois são cinco, é o que sinto vontade de responder, pensamento não reprimido mas que não anuncio, antes calo.

A noite segue…

O amanhecer chega entre amenidades, goles de cerveja e aquela intimidade distante, que só quase futuros amantes unilaterais conseguem compartilhar.

E, daqui, neste pé sujo em algum lugar perdido nestas vielas do centro, eu aceno para você.

É um adeus, eu sei. Talvez você suspeite, mas eu não saberia dizer. Nunca saberei.




Daniel Prestes da Silva é professor de Língua Portuguesa na Rede Pública do Estado Pará (SEDUC-Pa) e mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará (PPGL/UFPa). É criador e editor do Jornal
Jamburana – tremor literário.


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