TAP - conto de Felipe Guimarães
TAP
O
celular acionou. Era um date possível. O perfil continha uma descrição
fragmentada sobre idade, preferência sexual, indicação de distância – mais ou
menos uns 400 metros. Perto e, ao mesmo tempo, tão longe. Num estalar de dedos,
entre beijos e amassos com alguém desconhecido, a efervescência pode atingir o
limite. Ele aceitou a proposta sem pestanejar. Havia passado o dia todo
estimulando a mente, a qual deveria estar sendo ocupada com as tarefas do
trabalho. Queria apenas um momento de alívio e, dessa vez, parecia precisar de
outra pessoa pra se aliviar.
Decidiu
ir andando para o local marcado. Casa pequena, parede branca um pouco suja,
número 451. Casa sigilosa com alguém sigiloso. Tudo ali era muito discreto. Ou
deveria ser. A caminhada de 400 metros começou a pesar. Ele sentiu o peito arder,
quis por um momento gritar, mas não poderia. Era preciso manter a discrição.
Ao chegar
à rua do pretendente, lembrou que não tinha escovado os dentes. Logo ele, tão higiênico,
agora com bafo dos restos do almoço. Culpa da adrenalina que o levou a reagir
ao tap no aplicativo e, quando
percebeu a si mesmo, já estava sob o sol escaldante das duas da tarde em busca
de alívio.
Sentiu
o mau hálito se espalhar por todo o aparelho digestivo. De repente, parecia que
transpirava todo aquele odor. Tocou nos braços, apertou-os e em seguida parou.
Estava muito perto do local marcado. Mas ele estava longe em seus devaneios,
preso na encruzilhada em que havia se metido pela quinta
vez na mesma semana. Percebeu que não queria alívio, que não queria encarar mais
uma pessoa que mal conhecia. Estava cansado. Ele queria alívio de si mesmo.
Penoso era existir.
Incessantemente
puxou o fôlego para retomar a caminhada. Deu meia volta e saiu daquela rua
estranha e deserta. Uma parte de si ficou ali. Pedaço de uma vida em sigilo que
se fragmentava a cada sim e não dado no aplicativo. Estava cansado da discrição
imposta pela presença robusta de sua família conservadora e desajustada. Era
isso ou deveria morar sozinho. Optou por morar com a família, mas era como se
estivesse sozinho. Só, cansado e sem alívio.
Sentia-se
sujo. Abrindo a porta de casa, correu direto ao banheiro. Lavou a boca, as
mãos, o corpo, o rosto cujas lágrimas preparavam o asseio em uma tarde quente e
tempestuosa. Não percorrera os 400 metros. Afundou-se no ralo que levava sua
sujeira até o esgoto.
Variações: revista de literatura contemporânea
VII Edição - todas as vozes
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