NOTAS APRESSADAS SOBRE DALCÍDIO JURANDIR E O TRILHAS DO LITERÁRIO EM CACHOEIRA DO ARARI, novembro de 2022 - Paulo Nunes
NOTAS APRESSADAS SOBRE
DALCÍDIO JURANDIR E O TRILHAS DO LITERÁRIO EM CACHOEIRA DO ARARI, novembro de
2022 - Paulo Nunes
“Nasci vendo lendas...” (Dalcidio Jurandir)
Entre feitiçarias e batuque
Nascido em meio dum mocambo e de uma taba
Olhando o vulto branco do conquistador.
Nasci no vilarejo solitário
Onde fazem o açaí, vinho encantado
Que só vale beber nas cuias sagradas.
Na terra onde nasceu minha mãe
Fazem cantando e amando ao sol e ao luar
com que os caboclos bebem o açaí.
O sabor musical das marés arquejantes
O espanto do luar que ouviu as cobras grandes
O feitiço da água verde onde dançam os botos
E o milagre triunfal
De todas as vozes virgens da terra.
Na inocência do meu canto animador!
que é maracá, tambor, estridos de tacapes
silvos de flechas, violas e batuque
Voz de velas ao vento e de búzios na mata
Voz que arfou no meu sangue
E estalou em meu verso
que se ergue ao sonho novo do universo
E é como canto de meu Descobridor
(do
livro Poemas Impetuosos, Belém, PakaTatu/CCDJ, 2011)
Dalcídio Jurandir tem um
parentesco forte com todos nós da Amazônia, sua literatura e sua cultura,
enraizados nas profundezas do Marajó, esse gran-arquipélago forte, mágico,
afeito ao imaginário e à realidade revirados ao avesso. A obra de Dalcídio
Jurandir – romances, poemas, cartas, textos jornalísticos - vejo-a também como
um manifesto a este estado de congraçamento, expressão de rebeldia poética e
resistência de um autor singular no contexto da literatura brasileira. Pensando
nisto, desde 1996, a Unama, Universidade da Amazônia, vem planejando estratégias de difundir a obra de Dalcídio. Agora, neste 2022, o projeto PDPG
Amazônia Legal, ação Marajó, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
Linguagens e Cultura, em diálogo com o curso de Letras da Unama, realizou o
Trilhas do Literário no Marajó. O Trilhas é um projeto em parceria da UNAMA, com
a UFPA, coordenado pelos professores Vânia Torre e Paulo Nunes. Esta 13ª versão
do Trilhas do Literário foi um profundo mergulho no Marajó Dalcidiano:
exposição, caminhada e leitura de trechos da obra do autor de “Chove nos campos
de Cachoeira”, nas ruas da cidade. Foi uma experiência enriquecedora. Sandra
Dias, moradora e Cachoeira afirmou: “sou moradora daqui; trabalho, vou e volto
pra casa todos os dias, mas nunca tinha vista a cidade assim, como se ela fosse
um livro escrito pelo Dalcídio”.
Um cortejo cortou, na
tarde noite de sábado, 19/11, parte da Cachoeira, com mais de 40 pessoas. Tivemos a participação especial dos Foliões da Irmandade de São Sebastião,
dos brincantes do grupo de tradição marajoara Acauã, além de professores e
estudantes cachoeirense. Estiveram à frente os professores Edgar Chagas Jr,
Paulo Nunes, Vânia Torres, Analaura Corradi e a reitora da Unama, professora
Maria Betânia Fidalgo Arroyo. Foi fu8dnamtnal o apoio do Museu do
Marajó/Secretaria de Estado da Cultura e Imprenso Oficial do Pará/Editora
Pública Dalcídio Jurandir. Mas as duas maiores estrelas do cortejo foram,
talvez, os mestres de cultura popular Piticaia, o mais antigo amo de bumbá da
cidade, e Madureira, poeta e cantador, que estiveram presentes no “passeio
literário” cachoeirense em homenagem ao autor do Ciclo do Estremo Norte,
nascido em Ponta de Pedras e crescido em Cachoeira do Arari, mas que depois
migrou para Belém e, em seguida, para o Rio de Janeiro.
No cenário geopolítico do
Brasil, temos visto, a Amazônia figurar como uma espécie de ilha flutuante,
como se a região fosse a alegoria de Saramago. Assim é que vemos que o Brasil
virou as costas para os nortistas e sua literatura, num evidente o “rapto da
literatura produzida na Amazônia! no contexto da literatura nacional. Este
fato, creio eu, faz da literatura nacional mais lacunar e empobrecida, se ela
desconhece um romance hipnotizante como o de Dalcidio Jurandir.
Como diria Roland
Barthes, se a língua normativa é fascista, uma das respostas possíveis à
opressão da gramática normativa é a língua literária. A ficção de Dalcídio o
comprova, uma poética que enfrenta os desmantelos da sociedade com poesia, que
é fruto de um projeto que tirar das sombras as “criaturas dos pés no chão”, o
chão de Dalcidio. Pisar num dos chãos de Dalcidio, Cachoeira do Arari, neste
Trilhas do Literário, nos fez mais nós, mais amazônidas, mais marajoaras,
enfim, mais brasileiros.
“Maria de Belém,
Ainda teimam [em]
desnaufragar o navio . Ele virou fantasma, virou cobra boiúna.
Sobre as enchentes em
Marajó o espetáculo é o mesmo. No meu romance “Marajó” eu falo da água
invasora. O “Chove” está encharcado, assim como “Três Casas e um Rio”. Toda a
minha obra flutua na enchente. Vejo o jacaré, o peixe aruanã e os defuntos que
escapam do cemitério alagado. Morei numa casa em cima d’água. Até hoje oiço os
peixes e as marrecas e as chuvas enormes.
O padre [Giovanni Galo]
continua em forma. Marajó é ainda terra encantada. O gado anfíbio. O homem
encharcado. Marajó é como o navio: submerso. Soure – Soures – e Ponta de Pedras
estão no teso. Cachoeira se refugia numa terrazinha firme. A parte baixa, onde
morei, é tudo enchido.
Vejo no vaqueiro Aprígio
as tardes de ferra, o embarque das rezes, os isguetes poeirentos com a flauta
de Luiz e o saxofone do Paraense.
Quando Marajó desencanta?
Como vai sua mãe? Toda a
família?
O abraço”
do Dal.
Variações: revista de literatura contemporânea
param de gritar
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