ROLIÚDE E OUTROS POEMAS DE PAULO RODRIGUES
NINGUÉM
DISFARÇA O AZULEJO QUEBRADO
Alex Cabeça de Gato
bebeu pingos de chuva
nas calçadas do Rio de Janeiro.
Perdeu o cobertor,
mudou de endereço.
Olha para o céu
de papelão em punho.
A água ainda corre
e afunda
o piso que baixou.
O
CORAÇÃO NÃO PODE CEGAR
É só um desenho
esquecido na gaveta
da escrivaninha, tem poeira,
restos de lápis de cor,
um contrato de locação
e um livro de Octávio Paz
cochilando sobre ele.
É só um desenho;
os limites foram sacrificados
pela inflação,
balança comercial,
dólar
(a tesoura fez só o pelo sinal).
Não carrega a placa
do Profeta Gentileza.
É só um desenho:
não é um colírio,
a Fortaleza de San Carlos de La Cabaña,
o Memorial da Balaiada,
tão pouco a Praia dos Carneiros,
em Pernambuco.
É só um desenho.
(só isso).
bebeu pingos de chuva
nas calçadas do Rio de Janeiro.
mudou de endereço.
de papelão em punho.
e afunda
o piso que baixou.
esquecido na gaveta
da escrivaninha, tem poeira,
restos de lápis de cor,
um contrato de locação
e um livro de Octávio Paz
cochilando sobre ele.
os limites foram sacrificados
pela inflação,
balança comercial,
dólar
(a tesoura fez só o pelo sinal).
do Profeta Gentileza.
a Fortaleza de San Carlos de La Cabaña,
o Memorial da Balaiada,
tão pouco a Praia dos Carneiros,
em Pernambuco.
(só isso).
MARIA DA PENHA OU ISABELLE ADJANIR
é não.
não mande flores,
não desenhe coração
nas paredes.
Não insista, não provoque Sísifo,
com subidas intermináveis.
Deita no chão
e se esfrega.
é não.
as unhas têm freios,
a carroça atravessa o boi.
acabou o sereno, é verão.
na cintura.
ROLIÚDE
de costas pra rua.
a mesma calça,
os mesmos sapatos.
invisível.
em mais-valia.
na Serra Pelada.
faz colagens com discos,
que encontra nas ruas do Rio de Janeiro.
o Cartola tomando café
e cantando para mim.
eles sentam ao meu lado.
Fazia vinte anos que ninguém
conversava com o Jaime.
(como polpa de maracujá)
escorreu na gola da camisa.
como se entregássemos o morto,
na porta do cemitério.
há uma lesão na luz,
de todos eles.
e pergunta:
apago as velas
ou quebro o oratório do quarto?
amarraram as camisas,
seguram o terço da mãe.
cuidados e saudades,
nas fotos antigas.
no meio fio, pintado de cal;
escoltados pelos olhos
das formigas.
do carro atirando nos
inimigos, que estavam
na rua.
atravessadas pelas balas.
nas lágrimas, de uma das mães.
olhando para o sangue
(na asa da xícara).
me invade
como o sol invade
o broto, antes da flor.
antes do cheiro do caju;
a nódoa aberta
na fotografia da sala.
exala o cheiro forte
da vida.
no lado avesso,
do abismo.
e o café da tarde
perco a esperança
e duas unhas,
mas piso firme
nas pedras.
nos móveis da sala.
Rampa do Comércio, nº 200.
estendido nas manhãs
da Praia Grande.
como crescem as favelas
na região do Itaqui-Bacanga:
sem água, sem remédio.
das pedras.
e do verão.
debulhando nas tuas palavras
a virada do vento.
e nas sementes verbais
alimento os peixes.
no resguardo das tuas mãos,
percorrendo incertezas
no cavalo de São Jorge.
(não permito mais o holocausto).
esperando o sol de Monet.
nas palavras de meu pai.
aquela voz compressa,
a obsessão do arco-íris
a Travessa do Tamarineiro
o céu,
arrancando
as andorinhas.
no passado
no vício
é o beco
de frases subnutridas, nos olham
como um baobá iluminado pela paz.
eu me faço infinitas perguntas.
por que foi morar num mito Shaka Zulu?
onde esconderam a liberdade?
de todas as favelas
e toda tarde ela empina um arco-íris.
onde morava
um girassol
que tocava Bach
por diversão.
a primavera
a florada
os cachos.
de Ícaro,
conquistei os astros.
acaricioos astros;
toco suas partes mais íntimas
para congelar minhas mãos
na imensidão da palavra.
embriago
o sonho
nos olhos nômades
do meu ressentimento.
a cinza dos cigarros
sem interesse
no desespero do óbito.
seguro na mão
do homem
que teima
em caminhar.
esmagamos uma aranha.
choramos juntos
esperando por ela.
que já era viúvo há
cinco anos.
na cena.
convenções,
nem lirismo.
no batente;
a porta de dentro
parece fechada.
do muro.
ela me encara.
sai correndo atrás do corpo.
aquela resistência.
tão bem cuidadas;
exalavam luz
e bordavam nuvens.
disponível para surpresas.
duas denunciaram.
duas castigam o céu
e uma não toca no assunto.
o maior deserto
do mundo.
são antigos.
foi torturado.
a paisagem que secou.
nos meus olhos, sem fronteiras,
nem porto.
e por uma cartografia
indecifrável.
mas ainda me torturam.
arrastando as sandálias
no quarto.
o cheiro do café
reacende a infância.
toca fogo no chiqueiro
dos porcos.
e só em mim
está colado um cartaz.
e vejo os navios perdidos
no mar que é só nosso,
como um vínculo invisível
das águas.
apesar da tempestade.
um coral, um alga
uma garrafa vazia.
e desconfio do sorriso
de Bartolomeu Dias.
estão espalhados
pela casa.
na fruteira,
encontro teus cabelos.
me enfrentam.
e serei chorume
sem desespero,
nem amor.
não farei mais juramentos.
preciso de cartas náuticas.
eu não ousava ser criança.
ao lado da casa
lá estão os brinquedos
esperando
o gás da vida.
enche meus pulmões
de coragem.
suspendo as rugas
do tirano.
me derruba.
Paulo
Rodrigues (Caxias, 1978), é graduado em Letras e Filosofia.
Especialista em Língua Portuguesa, professor de literatura, poeta, jornalista.
É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux,
2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018).
Ganhou o prêmio Álvares
de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório.
Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia.
É membro da Academia Poética Brasileira.
e-mail:
paulo.rodrigues12512@gmail.com
Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia.
É membro da Academia Poética Brasileira.
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