CREPÚSCULO - poema Christian Dancini
CREPÚSCULO
Brilha o reflexo de Netuno no céu dos meus olhos,
enquanto fito a abóbada celeste
cravejada de
[estrelas.
A profunda nostalgia que me arrefece o corpo agora
traz de volta memórias que nunca
partiram.
Meus pés furam a maciez da lua,
que é do tamanho de um punho
cerrado
& lânguida, como as nuvens mais cinzas da noite.
Teu reflexo no jazigo das
plantas,
meus hormônios se movem na velocidade de uma pantera.
& cavalgo a volúpia do
universo em um verso.
& meu punho perpassa o céu noturno como um sol.
& meus pés descalços seguram
a relva
para que eu não parta para outra galáxia,
na velocidade de um estalo.
*
Era noite,
teu cabelo ululava
& sobressaltava
em caracol,
em zigue-zague.
Teu aroma — doce —
preenchia meus pulmões.
Segurei tua mão firme
para nunca mais soltar,
nem mesmo à noite
sem qualquer rastro de ti.
10:47 AM e estou com ela,
estamos na sala de informática
& eu estou completamente
bêbado
& ela completamente sóbria.
Ela sorri
& meu esôfago não aguenta
mais tanto álcool.
O suor frio corta como navalhas
silentes a minha testa,
o tempo para,
ou talvez não
talvez ele só
passe mais devagar...
mas não importa
o que importa agora é
// a entropia daqueles seios / que me bagunçavam, / que me
acolhiam / como mãe / & eu sorria / & ela sorria / porque sabia / que as
navalhas de um sorriso / ferem fundo / até sangrar o coração: //
Hemorragia de estrelas
no céu noturno,
preenchido por relva fresca
& orvalho, muito orvalho.
É profundo, não é?
Quando o mar deixa a costa
a orla evapora todo o fôlego
das infâncias,
me deixando preso
entre quatro paredes,
observando o céu
através de uma claraboia rachada.
E então, subitamente, o tempo volta,
aqueles sorrisos me drenaram:
vampirismo cético.
Anistie meu coração
para que eu possa morrer
na paz de cinco mil nebulosas
imediatas.
*
Livre como um pássaro,
a
cabeça estoura
e a alma sai voando
para
fora
da cabeça.
O
revólver recua,
a mão não segura,
a
poesia é minha arma
contra o suicídio.
*
Caem, como em um dilúvio celeste, as águas da abóbada noturna:
as videiras cantam, os alecrins dançam, os lobos urdem, a terra estremece,
estrelas uivam, nebulosas esperneiam, o cigarro queima... a noite é música,
macieiras úmidas se fecham, desnorteio a aurora em prantos
na inconsequência diuturna das aves marítimas.
Desço às trevas, os pingos de chuva evaporam lá, não há pranto que umedeça
o fogo do inferno. Luz e sombra em todo canto alumiam e ensombram meu espírito ígneo.
No momento, sou apenas nevoeiro, fumaça, trevas cinzas que cobrem a noite.
E o mar, ah, o mar... contínua seu resfolego de ondas que se quebram na praia,
como as nuvens em chamas que se despedaçam e desintegram-se em pedaços cinzas.
Variações: revista de literatura contemporânea
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