O SINISTRO ENREDO DAS IGREJINHAS DA VIDA E OUTRA CRÔNICA DE ANA MEIRELES

 


O SINISTRO ENREDO DAS IGREJINHAS DA VIDA 



Um êmbolo no embalo da vida. Iguais teias a representar conexões: as vis, as boas, as ruins - as relações, em acordos e pactos silenciosos que amarram “laços”, frouxos ou apertados, os fios que enredam as manipulações, via de garantir a preservação de interesses, os presentes, as concomitantes trocas, o oco sustento das espúrias afeições. 

Ali, naquele lúgubre espaço, a primaz necessidade de alguns era quase sempre sabotada para garantir o pano acetinado que recobre as fissuras da vivência real. Ali, uma cúpula se encarregava do amparo dos interesses, a garantia da servidão de outros. Bocas  silenciavam nas mentiras de ocasiões. E palavras se desencontravam nos seus sentidos como lastros da verdade. Tantas vezes era impossível deglutir, mastigar a polissemia que obrava na desconexão e, por isso, alguns até cuspiam sem conseguir tragar o gosto da argamassa absurda e indigesta. Pobres estômagos encurralados na imperatividade de seguir e garantir a faca de dois gumes que assegura o existir nas paredes das falsas verdades e verdadeiros enganos. Amiúde, aconteciam os derrames que provinham do orifício rugoso de onde emanam as putrefações. Salvíficas sempre serão a invenção das Enterogerminas e o Repoflor das erosões intestinais. 

Comiam, bebiam, antes de serem encaminhados para a cova onde as ilusões são sepultadas sem distinção. O humano, sem exceção, é matéria que apodrece até mesmo antes da própria involução. Na linguagem da língua sarcástica, a ironia é uma bifurcação a cruzar com a falsidade. Onde está a falta de emoção, a empatia que desvela o corpo da caridade?

Todos possuíam tons iguais, peles de couraças? A voz dos propósitos que dirigem os objetivos sãos? 

As cadeiras de muitos estavam alquebradas, as camas do coração enferrujadas. E, para continuidade de um obscuro envelhecer, as festas eram sempre retomadas na programação da vida de entreter e encenar a alegria em meio a precariedade, ausência de comiseração. A sociedade ama o colorido dos balões, a iniciativa que promove as incursões festeiras para salvaguardar da morte a imagem da mentira.

É nesta igreja “de vida” que vivem todos, inclusive eu que espero o beijo da morte para me despertar do encanto da vida. 



AS PIPAS E RABIOLAS NO CÉU DE TANTOS VERÕES 



No céu imenso e azul, somente uma nuvenzinha toldava parte da visão impedindo ver a beleza de uma pipa que dançava sob os raios dourados do sol, doce recordação. Era imagem das mais lindas ver a pipa balançar no ar, espaço celeste, da  minha imaginação.  Divagar, beirar os olhos pela infância, é enxergar sorrisos e as suas exuberâncias. 

Flagrei-te assim, Ale : Tentando ver por trás dos dentes que mostravam teu sorrir um tanto ensimesmado. As histórias que iluminaram os dias de uma infância querida...

Como era o trabalho de fazer nascer, construir uma pipa ? As talas deviam ser juntadas, amarradas, o papel de seda cuidadosamente transformado na magia de um divertimento elevado, que ia nas alturas e representava o poder de, saber fazer subir, conseguir deixar ficar bem alto ,e, pela magia habilidosa das mãos, garantir de, na cortada, fazer a pipa do outro vir abaixo, eliminada da cena de palco. Ah, isso era prazer de lazer inenarrável. 

As curicas, as rabiolas, enfeitavam o céu de tantos então e, até hoje, provocam  a mesma cativante impressão : É verão, é verão, tem banho de mar, férias, e gostosa emoção. Ouvia-se em meio a toda uma euforia, a generosidade de um cuidado em meio a inesquecível recordação: Cuidado, prestem atenção, linha com cerol, mata e corta, acaba com a diversão que sempre acontece no calor do verão. Ah, meninos de ontem e hoje...




ANA MEIRELES - é poeta e cronista - nasceu em Icoaraci Distrito de Belém do Pará em um belo domingo de Páscoa como dito por sua querida mãe Leila. Atualmente é servidora pública com formação em psicologia pela UFPA. Tem diversos livros publicados, entre poesia e crônica, esse ano faz sua publica seu primeiro livro infantil.




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2023

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