Erotismo, homo afetividade, natureza e romance na Amazônia - Resenha por Gutemberg Armando Diniz Guerra

 



Erotismo, homo afetividade, natureza e romance na Amazônia 

por Gutemberg Armando Diniz Guerra*


PAES, Genisson. Jambo Rosa. Belém: Folheando, 2022.


    É um privilégio acompanhar o progresso de um autor e os seus primeiros passos. Posso dizer isso de Genisson Paes por ter sido convidado por ele a ler o primeiro manuscrito desse título que se tornou sua publicação inaugural contemplada como prêmio pela Revista Variações levado à luz pela Editora Folheando. Ele se lança com força no mundo da ficção, embora ancorado em uma rica experiência acadêmica como antropólogo que vem desenvolvendo com igual brilhantismo.

Natural de um ambiente tipicamente amazônico, sente-se desde as primeiras linhas uma influência naturalista que vem com os seus traços de determinismo e crítica social acoplados. A quem vive nessas paisagens físicas e humanas não passa em branco a beleza, interação com a natureza e as desigualdades sociais. Assim foi e será com os que se aventurem por essas plagas... Assim é com Genisson Paes que chega a assumir declaradamente um determinismo na página 22 (“Mas eu sabia que o que naquele mundo o homem não controlava nada, nem mesmo a si. A natureza é que edificava suas vontades”). Esse peso, entretanto, se dilui mais adiante no texto, o que não o isentará dessa filiação naturalista.

Desenvolvendo em uma centena de páginas um enredo que costuma ser cercado de preconceitos e tabus, é com muita leveza e competência que Genisson Paes conduz a sua narrativa. Ela vai aos poucos se firmando, deixando perguntas ao leitor, principalmente por outros preconceitos consolidados quando se trata de sociedades rurais. A homoafetividade, geralmente tratada como e com homofobia está no centro das relações amorosas do romance. Embora se tenha uma ideia generalizada de que em sociedades rurais o controle social e a rejeição a esse tipo de relação seria rejeitada e execrada peremptoriamente, não é isso o que sugere o romance. Ao contrário, ele desfaz preconceitos e propõe uma leitura diferenciada daqueles que são considerados sempre negativamente como toscos, rústicos, ignorantes e atrasados.

A riqueza de detalhas chama a atenção na descrição do ambiente, dos traços marcantes dos personagens e tipos camponeses, dos costumes e linguajar interiorano, do sopro do vento, da chuva, do calor, dos traços do cotidiano nas panelas das cozinhas, dos equipamentos como a rede de dormir, no canto dos pássaros, nos alimentos. Remete os que não sejam da região a buscar um bom dicionário ou sugere ao autor a elaboração de um glossário que permita o acesso aos significados de palavras restritas aos amazônidas daquele espaço bem delimitado do Baixo Tocantins, fonte de inspiração dessa estória.

A intimidade com o tema e a linguagem são muito acentuadas pelo narrador em primeira pessoa, demonstrando ser produto de vida ou pleno dela toda aquela maneira de se compartilhar o relato e a ficção. A demonstração dessa substância vem nos detalhes como o uso dos estipes de açaizeiro, da jacitara na fabricação dos paneiros, da elaboração da tapioquinha na refeição matinal, das paisagens de aningais e mangues, do canto de pássaros típicos da região e de peixes que são preferência e de uso cotidiano na alimentação.

Humor refinado, linguagem elevada para tratar de temas sensíveis e nível elegante de crítica social aos comportamentos e atos discriminatórios das opções sexuais dos personagens, na maior parte do texto feita com serenidade, mas externando indignação quase no final do livro, principalmente quando trata de uma tia que sempre se posiciona preconceituosamente em relação aos homoafetivos, às cotas escolares para quilombolas, camponeses, ribeirinhos, e aos moradores da roça.

A figura familiar afetiva mais proeminente é a da avó, com uma distância muito grande da figura paterna, que aparece muito timidamente, tanto quanto a da mãe. Em que pese esse distanciamento da família tradicional padrão, o caráter familiar é explicitado ao longo de todo o texto.

Não passam despercebidos de Genisson Paes os problemas decorrentes da Usina Hidrelétrica de Tucurui com as mudanças na ecologia, fazendo desaparecer espécies de peixes e modificando hábitos e costumes na relação dos ribeirinhos com as águas represadas à montante de onde se desenrola o enredo. Esses problemas são postos sem que se tenha nenhuma marca de panfletarismo ou engajamento político leviano ou supérfluo. Ao contrário, é inserido o fato e deixa-se ao leitor a imaginação e a curiosidade para buscar compreensão do que está ali posto.

O mais intenso e marcante de todo o romance é o conteúdo filosófico contigo nas palavras da avó Ana que compreende o amor independente do gênero das pessoas, sem criminalizar o sexo como elemento do afeto e de parte desse exercício. O grau de humanismo da narrativa é comovente pela leveza, lirismo e potência amorosa que encerra. Mais do que isso, há uma reflexão sobre a efemeridade dos momentos da vida, em que as pessoas podem aproveitar bem, sem estarem isentos de sofrer porque o amor envolve também o sofrimento quando se esgotam as circunstâncias de vive-lo. Um elemento que me parece muito importante é que esse tipo de estória pode acontecer com qualquer pessoa, independente de sexo, idade, identidade.

É um texto que reflete elementos presentes na contemporaneidade, trata deles com seriedade e serve como balizamento para debates, discussões, ponderações e informações para pessoas de todas as faixas de idade. Recomendo e peço comentários aos que tenham desfrutado dessa boa dose de leitura produzida na Amazônia Oriental.



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*Engenheiro agrônomo



Variações: revista de literatura contemporânea 
X Edição - Corpo e fala: intimidades
Edição de Marcos Samuel Costa
2023

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