Lá vem Maria! - crônica de Gutemberg Armando Diniz Guerra

                                     

Lá vem Maria!


Gutemberg Armando Diniz Guerra*


    A cidade de Belém se prepara para o Círio de Nossa Senhora de Nazaré durante o todo o ano, mas no mês de setembro começam a se intensificar os sinais de que a festa está próxima. Cartazes afixados nas portas, nas fachadas das residências e estabelecimentos comerciais, altares com a berlinda e a imagem nas entradas e salas de estar das casas, repartições públicas, empresas, estabelecimentos comerciais e bancários, tabuleiros e carrinhos de vendas de lanches e iguarias, mesinhas ornamentadas e colocadas nas entradas dos prédios, escolas, condomínios, tanto quanto fitas, banners, faixas, luminárias, artefatos de miriti, bandeirolas e outras formas de ícones se multiplicam sinalizando para a celebração. As feiras se enchem de garrafas amarelas de tucupi, folhas em maços de jambu, chicória, alfavaca e pimenta de cheiro se juntanso às ofertas de folhas de mandioca moídas para servir de base para a maniçoba, cruas ou pré-cozidas, tanto quanto patas e patos abatidos começam a ser mercados em mercadinhos e açougues tanto quanto pelos donos de quintais, chácaras e sítios em que se criam e engordam os bípedes. 

Funcionários de postos humildes de trabalho como porteiros, vigias, flanelinhas fazem caixinhas, livros de ouro e listas para arrecadar uns trocados por ocasião da festa. Os muros e paredes da cidade ganham cores e se transformam em verdadeiras galerias ao ar livre de arte pictórica, colorida, com temas referentes à festa.

Mais intensos são os preparativos do clima religioso, espiritual, na multiplicação de visitas e pequenas procissões da imagem da santa nos bairros e nas casas, nos ambientes de trabalho, escolas, comércios e corporações, com celebrantes leigos e sacerdotes constituídos em missionários da devoção mariana. Rezam-se mensários, trezenas, novenas, rosários, terços e ladainhas. Entoam-se cânticos conhecidos e novos se apresentam para encher os dias das pessoas nos seus atos devocionais. Plataformas se implantam nas ruas para que as pessoas possam assistir à procissão. As mangueiras e árvores frondosas são podadas para liberar o espaço para os carros alegóricos e caminhões que costumam circular nesse período festivo. Meios fios e calçadas recebem tinta nova e reparos, mutirões de limpeza recolhem montanhas de lixo e entulho acumulados ao longo de meses nas valas e calçadas. 

As lojas de produtos religiosos e os artesãos têm seus artigos exauridos de seus estoques, seja para o uso como ornamento, culto nos pequenos altares, seja como ex-votos para os promesseiros cumprirem sua parte no pagamento de graças recebidas.


Ao longo do canal da Avenida Visconde de Sousa Franco, todos os anos tem sido feita uma ornamentação com iluminação e elementos simbólicos remetendo à festa. Esse ano incluíram as palavras Paz, União, Fé e Amor, em pares, como mensagem dessa festividade. Em uma das extremidades estão armando uma alegoria da Santa com o Menino nos braços e um corredor onde se colocarão pisos espelhados e paredes com imagens fotográficas alusivas ao evento.

Farmácias, lojas, supermercados e shoppings centers locais imprimem camisas com chamadas para o evento, datadas, para serem vendidas aos romeiros e participantes que queiram ungir esse momento com uma lembrança efetiva de suor e lágrimas. Fazem leques com o hino e viseiras para serem doados, mas veiculando a publicidade do estabelecimento com suas marcas e slogans. 

Palestras, seminários, conferências, sermões, exposições em galerias de arte, museus, palácios e palacetes se oferecem aos moradores do lugar e aos turistas que afluem aos milhares para viver essa experiência religiosa de grande porte, a maior do norte e seguramente uma das maiores do país.

As igrejas se preparam para os fiéis. Promesseiros abastados compram água para fornecer aos que vão no sacrifício da corda e na multidão em torno da imagem, dos carros de ex-votos e seguindo a rota do cortejo. Alto-falantes são fixados nos postes para fazerem ecoar as palavras de ordens, cânticos, louvores, vivas e orações repetidas como mantras.

Acumulam-se nos refrigeradores ingredientes diversos para muitos dias de comida, bebidas alcóolicas e refrigerantes, sucos de frutas e fermentados para saciar a fome e a sede dos romeiros.
Parques de diversões, cinemas, praças, feiras, mercados, restaurantes, padarias, lanchonetes e bares fazem atrações dos mais diferenciados gêneros, pois que haverá público para todos os que estiverem na cidade, sejam eles para a sacralidade, seja para as vivências profanas que o acontecimento maior enseja e abriga.

Hotéis, pousadas, pensões e abrigos se preparam para receber os nativos que moram foram mas retornam nessa época para visitar os pais que ficaram, os parentes, os amigos e a cidade em que tiveram suas infâncias e adolescências. Outros vem para conferir o que se diz dessa festa pelas redes sociais, jornais escritos, falados, televisivos.

Costureiras e alfaiates tentam dar conta das encomendas de mortalhas, abadás, roupas de anjos e talhes específicos de branco ou de cores que fazem parte do prometido. Artesãos de miriti, de sementes de açaí, jarina, tucumã e outros vegetais se esmeram para estar abastecidos do que pode ser um momento de redenção ou alívio econômico.

Por todo lado onde se vê, a cidade está preparada e se preparando para viver o auge de seu período de descontração e fervor devocional. Com chuva ou com sol, lá vem Maria estender seu manto sobre a urbe. Todos se renderão para proclamá-la rainha e se fazerem súditos do encantamento que provoca. Lá vem Maria com seus guardas e anjos!

Junto com a onda humana e os cânticos de louvor há uma grande vaga de emoções que transbordam na trasladação e inundam toda a cidade no segundo domingo de outubro de cada ano. Choros e risos, convulsões e catarse se liberam na passagem da santa do leite alimento do Salvador. Lá vem Maria!


Engenheiro agrônomo*

                                    Variações: revista de literatura contemporânea 

                                               X Edição - Corpo e fala: intimidades

Edição de Marcos Samuel Costa
2023

Comentários

Postagens mais visitadas