O advento do advento e o Natal - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 


 


O advento do advento e o Natal

Gutemberg Armando Diniz Guerra

Engenheiro agrônomo


      A árvore e o presépio eram indicadores da chegada do Natal em nossa casa no bairro da Ribeira, em Salvador. Acontecia sempre no início de dezembro quando se tiravam os personagens e ornamentos das caixas e embalagens que tinham sido feitas depois da festa dos Santos Reis Magos dos anos anteriores. Esse ano fui surpreendido no mês de outubro pelos comerciantes oferecendo os enfeites natalinos, as pequenas lojas e os grandes magazines se enfeitando e exibindo corais, chegadas do velhinho muito antes do que eu tinha como referência. Fui ao calendário e aos sites de busca para ver se eu estava no meu pleno exercício das faculdades mentais e a informação era de que o Advento era mesmo no início de dezembro. Respirei mais tranquilo, mas o assédio visual, auditivo, gustativo e financeiro se manifestava intensamente. Panetones, gorros vermelhos, bolas de aljôfar, luminárias nos prédios, caixinhas de natal para funcionários de restaurantes, lanchonetes, pipoqueiros, crianças nos semáforos e nas calçadas abordando os passantes já sob o mote do nascimento do Salvador confirmavam: “Então é mesmo Natal! 

Comecei a receber mensagens de natal nas redes sociais quinze dias antes do dia da festa. Senti que a aceleração e aquecimento para o Natal estavam se antecipando mais do que normalmente já se fazia, com a chegada do 13º salário por volta do dia 20 de dezembro, mas agora caindo na conta dos empregados muito antes.

Senti uma maior insistência do personagem que se tornou central dando os tons de vermelho à festa, roubando do comunismo a cor vibrante que lhe atribuem os capitalistas. Também roubou a cena ao Menino pobre, nascido na manjedoura de uma estalagem em Belém, na Palestina. Fiquei me perguntando por que não são os representantes dos reis magos que ofertam os presentes no dia do nascimento do Menino Deus? Por que não usar coroas em vez de gorros nessa festa? Por que não intensificar o uso de dourados, incenso e mirra? Por que não camelos em vez de renas? Por que não estrelas, grandes estrelas por cima das casas onde hajam presépios em vez de árvores triangulares e bolas de aljôfar?

As crianças são estimuladas a fazerem cartas ao Papai Noel, personagem inventada por uma miscigenação de símbolos e signos com justificativas as mais diversas, nenhuma convincente ou com pertinência suficiente para deslocar a figura central dessa data, mas por incrível que possa parecer, desloca.  

Muitas outras perguntas me vêm ao espírito agitado por essa frenética febre de compras de presentes e preparação de comidas e bebidas, com mensagens que usam o natal como uma palavra gasta, corroída, com um sentido festivo, mas pleno de contradições e superficialidades. Famílias inteiras de waraos e muitos outros seres humanos enchem as esquinas dos grandes centros urbanos. Pessoas abrem as janelas dos carros, oferecem biscoitos, moedas e parecem mais dispostas a doações e empatia. Empresários, políticos e grupos filantrópicos distribuem presentes e cestas básicas em ações comuns a esse tempo de coração e culpas em clamores e choros abertos como chagas. O Congresso Nacional encerra suas atividades e os eleitos viajam para suas férias em países ricos, longe dos seus eleitores. Vão conhecer a neve e as luzes das grandes avenidas onde o consumo se materializa em nome do Menino Deus.

Busco no cancioneiro popular nacional melodias e letras que se reportem aos tempos pastoris, provincianos, de festas nos largos das igrejas dos povoados, bairros, cidades pequenas, médias e grandes. Encontro muitas com mensagens lindas, sensíveis e me sinto atacado por uma melancolia que beira à tristeza. Engulo meu sentimento salgado de saber que esse tempo será menos sofrido para os pobres, mas que seus sofrimentos não se encerrarão com a boa vontade que aflora nesses tempos de disfarçar as mazelas da nossa sociedade desigual e bruta. Recolho-me em oração, mas fico refletindo sobre que tipo de ação se pode fazer para que haja menos presépios e mais casas cheias de vida e acolhimento...

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