As dobras do tempo - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 



As dobras do tempo

Gutemberg Armando Diniz Guerra

Engenheiro agrônomo


O tempo é linear, implacável e misterioso. Todos estamos sujeitos a seus caprichos, mas há lugares e pessoas que parecem se esconder e fazer com que ele passe sem lhes atingir. Essa impressão pode se reforçar quando visitamos cidades históricas como Goiás Velho, Ouro Preto, Tiradentes ou quando encontramos pessoas que permanecem com a aparência jovial, sendo facilmente reconhecidas mesmo passados muitos anos.

No sábado de Carnaval fui comprar pão com o amigo José Akel, em Mosqueiro, em uma padaria que ele frequentava há muitos anos e que deixara de ir desde a pandemia de Covid 19. Faziam apenas 3 anos passados, mas foram muitos os estragos ocorridos nesse tempo, levando pessoas e lugares consigo. Para surpresa e alegria do amigo, o comércio lá estava, com a placa improvisada anunciando emblematicamente: “Padaria Fé em Deus”. 

A casa que abrigava o dono do humilde estabelecimento permanecia, segundo ele, a mesma. Uma touceira de comigo ninguém pode protegia a casa. O acesso ao comércio se dava por um beco lateral, orientando a formação de uma fila dos fregueses que, no momento em que chegamos, não existia. Um galo cantou no espaço entre a casa e o balcão dando um toque bucólico ao recanto. Em uma sala pouco iluminada, um balcão de madeira e vidro dividia o espaço dos compradores do que era o do padeiro. Uma planilha escrita em cartolina facilitava os cálculos dos fregueses e do vendedor, indicando de um a cem o valor dos pães caseiros que fabrica diariamente. É o mesmo tipo de pão religiosamente feito durante todo o tempo que o amigo frequenta o ambiente. 

O padeiro, seu Raimundo, entrevado por uma doença que não sabemos precisar, fica sentado em uma cadeira rústica, de braços, com uma almofada enquanto uma neta de 19 anos obedece aos seus comandos e às demandas dos compradores. Não há pães expostos no mostruário de vidro que serve de balcão. Ali se viam três ovos caipiras indicando que era produto disponível para a venda. Fotografei cada detalhe e fiquei imaginando o ambiente e as mudanças que as pessoas poderiam ter sofrido. A neta, órfã de mãe desde o primeiro ano de nascimento, era a companhia efetiva do avô naquele mister emblemático. Ao sair, depois de rápida conversa e compra de pães, a fila se ordenava com umas cinco pessoas, e chegando mais outras. Uns senhores relembravam o tempo em que mantinham aquela fidelidade. O pão quentinho foi colocado em um saco de papel e retomamos o caminho de casa, felizes, retornando das dobras daquele tempo que manteve a padaria e o padeiro imortalizados. Devemos nos cuidar se quisermos comprar esse  pão delicioso por muitos anos e ver quanto tempo a crista do tempo não transformará essa relíquia. Oxalá esteja no pão o segredo da longevidade e imortalidade!

     






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