O amor e a malandragem não têm gênero nem cor - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 








O amor e a malandragem não têm gênero nem cor. 

Gutemberg Armando Diniz Guerra*



SANTANA, Rui dos Santos. Memórias de um gigolô baiano. Ananindeua: Edições do autor, 2023.


        Rui Santana é cidadão do mundo, exercendo sua profissão como jornalista crítico em diversos estados do país, tendo fixado residência em algum lugar de Minas Gerais. De postura política auto definida como de esquerda, militou no Partido dos Trabalhadores, agremiação que se formou em decorrência da expansão da militância profissional corporativa de defesa de interesses profissionais específicos para a partidária, ampla e propositiva de transformações estruturais do conjunto da sociedade. Rui dos Santos Santana, muito conhecido como Rui Baiano, tem ampla folha de serviços prestados na profissão como jornalista e produtor cultural de eventos musicais.

O que ele nos propõe como leitura nessa obra inaugural é um romance tendo como uma personagem principal construída com elementos de verossimilhanças que se diluem por trocas de nomes e inserções de detalhes humorados que tornam a narrativa agradável e a provocar emoções variadas.   

A leitura do texto nos prende pela dinâmica dos relatos ambientados em Salvador. Evoca imediatamente o estilo jorgeamadiano, tanto pelos personagens como pelo cenário e narrativa, destacando-se, porém, uma linguagem que exige tradução para quem não seja de identidade soteropolitana ou dos arredores. O autor, embora disponibilize um glossário, poderia ser mais generoso e fazê-lo em ordem alfabética e não pela sequência de entrada dos termos ao longo do texto. 

Trata-se de um romance com linguagem fluente, envolvente, que faz o leitor oscilar entre a curiosidade, o humor e o erotismo que se manifestam elegantes no início e em algumas passagens toma formas menos refinadas, aproximando-se de literatura muito difundida nas redes sociais e em contos eróticos escrachados.

Demonstra um profundo conhecimento da geografia da cidade de Salvador e de seus eventos ocorrentes desde os bairros nobres até os mais humildes, em particular o da Liberdade, em que se criou a personagem principal, Maninho.

Filho natural de um romance fugaz entre Rita, mulher branca de olhos azuis, filha de família influente e rica, moradora do Bairro da Graça, caracterizado como burguês e aristocrático, e Mando, negro, capoeirista, filho de baiana vendedora de acarajé, morador do bairro negro e proletário da Liberdade. Maninho, após o assassinato do pai por capangas do sogro, vai ser dado para ser criado pela avó por um processo complexo de negociação das condições entre sua mãe e o avô materno. Seu pai fora executado na Ribeira antes dele nascer, justamente por ser flagrado namorando a menina rica e branca, em uma embarcação da família dela estacionada no Porto dos Tanheiros, na Cidade Baixa. 

Maninho, embora morando com a avó na Liberdade, vai ser educado nas melhores escolas da cidade e circular em ambientes de famílias abastadas, aprendendo com um amigo de seu pai a arte da gigolotagem. Vai praticá-la à exaustão, até reatar a relação amorosa com uma namoradinha de infância, adolescência e vizinhança que rompera com ele justamente por conta dos múltiplos envolvimentos do cabo verde mais bonito da Bahia com suas colegas de escola, amigas, professoras e quem mais dele se encantasse e aproximasse da sedutora figura. 

Anos depois, embora completamente enredado na vida marginal de gigolô, acaba conhecendo a mãe e se regenerando, embora o romance encerre com um toque de que a purificação do malandro não tenha ocorrido em sua totalidade ou estava sujeita a recaídas.

Rui dos Santos Santana conduz a narrativa de forma dinâmica, envolvendo o leitor do início ao fim na estória e em seus meandros, não canonizando ninguém, e revelando as manobras heterodoxas de cada um dos seus personagens para serem felizes, fossem eles de qualquer classe social.

Pode-se enquadrar esse romance na categoria de literatura de resistência pelos aspectos sociológicos que se revelam na trama, com evidentes denúncias de racismo, nepotismo, autoritarismo e violência de classe no ambiente soteropolitano, com foco e referências principalmente no período do regime militar brasileiro. Pode-se associá-lo à obra de Nelson Rodrigues e sua crítica à classe média alta, embora sejam nítidas as categorias mais abastadas e aquelas de menor posse, principalmente por uma explicitação de classes oponentes. A expressão de pobreza e riqueza estão focadas nas posses das mulheres brancas, moradoras de bairros nobres da cidade, com vidas que extrapolam à cidade de Salvador, passando pelo Rio de Janeiro e França, ocupando cargos de comando. As classes humildes estão associadas a trabalhos como a produção e venda de acarajé e empregos como motoristas e serviçais de famílias endinheiradas.  

Considero termos em "Memórias de um Gigolô Baiano" um livro que será muito lido e comentado tanto na cidade de Salvador quanto no universo lusófono, pois que expõe traços típicos de uma sociedade forjada em padrões coloniais que se perpetuam, em que pese todo o esforço de superação que tem sido feito pelos militantes da democracia e república. Esse será, possivelmente, o mote que pode guindar Rui dos Santos Santana ao patamar de escritores brasileiros nascidos na Bahia, estado que se ressente de nomes conhecidos desde o desaparecimento de Jorge Amado, João Ubaldo, Guido Guerra e outros. Um dos problemas é que a produção dessa obra foi feita em moldes alternativos, em edição do autor, sendo adquirido e acessível, por enquanto, ao restrito círculo de amigos e familiares. Sigamos!



_______________________________________________________________________________
*Engenheiro agrônomo



2024


Comentários

Postagens mais visitadas