A mercantilização do esporte - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 



 A mercantilização do esporte


Gutemberg Armando Diniz Guerra



Andei assistindo com meu filho adolescente, quase adulto, jogos dos campeonatos de países da Europa e da Ásia em canais fechados e abertos de televisão. Fiquei muito impressionado pela presença de brasileiros em quase todos os times que vi jogar e, pasmem, número significativo deles é de integrantes da seleção brasileira. Mais impressionante ainda é que os outros membros das equipes são de outras nacionalidades que não a dos países de origem do time, formando verdadeiras seleções de bons jogadores, com elevado grau de precisão técnica, quase robôs. 

Ouvindo os comentaristas e depois procurando informações nas redes sociais, constatei que os maiores acionistas dos times, chamados genericamente de donos, são grupos econômicos associados a nomes de bilionários dos diversos setores da economia planetária e, número significativo destes grupos e acionistas são de países árabes. Minha curiosidade foi aumentando e meus olhos se arregalando ao saber que as últimas versões das finais do campeonato espanhol se realizam na Arábia Saudita! Lembrei dos meus tempos de menino em que o dono da padaria do bairro, um espanhol chamado Sr. Hermínio, era decepcionado com a seleção da Espanha, a que ele dizia ser formada de pernas de pau!

Sempre considerei o futebol algo que traduz identidades territoriais e sentimentos de pertencimento primal, tribal, municipal, estadual, nacional. O amor à camisa é uma expressão que traduz esse pertencimento. Vestir a camisa é se tornar representante de um grupo, de um povo, de uma nação. É assumir uma responsabilidade por um coletivo. O sucesso de um time de onze jogadores é celebrado, comemorado, exaltado por milhares ou milhões de pessoas. A derrota é lastimada, sofrida, chorada por outros tantos. 

Na minha juventude, eu atravessava a cidade, pegava dois ônibus, caminhava quilômetros para assistir os treinos do meu time do coração. Os treinos eram realizados em uma pequena fazenda que se localizava nas dunas de uma área de expansão da cidade. Ver os atletas de perto, as orientações do treinador e o esforço do time no treinamento era uma diversão indescritível, tanto quanto assistir aos jogos no estádio da Fonte Nova. Originalmente os atletas eram figuras conhecidas na cidade por suas profissões humildes ou por suas habilidades naquela modalidade. Pouco a pouco os integrantes foram se transformando em personalidades vindas dos estados e times do sul e sudeste do país ou de outros países da América do Sul. Os times do sul começaram a ter integrantes com origem em países africanos e europeus.

Mais essas últimas partidas que assisti, em tempo real, realizadas do outro lado do mundo, me impressionaram muito e me fizeram dar conta das transformações que o mundo está vivendo. Os valores das negociações para os jogadores mudarem de times e os seus salários ou o que se possa chamar de renda mensal de cada um deles implica em cifras inconcebíveis para mim. Fiquei preocupado porque os jogadores ostentam esses ganhos materializados em moradias suntuosas, veículos de luxo, festas fabulosas, joias valiosíssimas, mulheres belíssimas. Eles viajam de um lugar para o outro do mundo como se fosse por passes de mágica. Pouco se fala de suas preferências por elementos da cultura como livros, boa música, teatro, dança ou qualquer tipo de manifestação artística elaborada com esmero. Pode ser até que um ou outro, ou até muitos, se deem a esse luxo, mas pouco se ouve falar e pouco se vê sobre esse aspecto. Por outro lado, sabe-se e se espetaculariza suas virtudes e vícios, generosidades e atrocidades com a rapidez do raio.

Fui dar uma pesquisada no valor das moedas mundiais e vi que as mais valorizadas são o Dinar do Kwait (equivalente a 3,30 dólares), o Dinar do Bahrein (2,65 dólares), o Rial do Omã (2,60 dólares), a Dinar Jordaniano (1,41 dólares), a Libra Esterlina (1,33 dólares), o Dólar das Ilhas Cayman (1,20 dolar), o Euro (USD 1,l5), o Franco Suiço (USD 1,07), o Dólar dos EUA e o Dolar do Canadá (USD 0,80). Que significado pode ter isso para dar uns pontapés na gorduchinha?

É muito raro que se consiga comprar uma réplica dos uniformes dos times sem que nele estejam marcas comerciais que variam de produtos a serviços, transformando os jogadores e torcedores em cartazes publicitários ambulantes. Tentei não ser isso comprando camisas com a padronagem antiga do meu time do coração, quando o que importava eram as cores do time, ou a imagem do mascote, e não o seu patrocinador.

Os estádios passaram a ser chamados de arenas e a mudar nomes históricos e muito representativos para apelativos nomes de grupos econômicos ou de produtos do consumo disponíveis no mercado mundial. 

O que me preocupa, profundamente, é que muitas crianças sonham em ser jogadores de futebol por conta do glamour e do acesso que poderiam ter a tudo o que desejassem, como se a bola fosse uma espécie de varinha de condão ou pó de pirlimpimpim. O fato é que para os que chegam no topo, pode até ter um lado mágico a ser vivido, mas chegar lá e lá se manter tem um custo muito elevado, produto de muito esforço e sorte, e isso não se diz para os jovens que alimentam o desejo de ser celebridades e sobretudo ricos de dinheiro, e não necessariamente de valores. Considero que devamos fazer uma reflexão profunda sobre esse tema!

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