os punhos feridos das carícias - poemas de Roge Weslen
eles buscam me ensinar o que é saudade
acham que com o exílio de meus
olhos não compreendi
a distância das coisas
a formulação do mistério
em tuas mãos
a crueldade das palavras ditas diariamente sem o afeto
predestinado das montanhas
minhas constantes despedidas
os amigos conhecem o amor
conhecem as feridas
& espero que esse cansaço passe
& voltem os anos da alegre
mandinga corporal
o transe dos músculos em movimento numa
avenida vazia
numa cama desarrumada
a paixão exige a bagunça majoritária dos corpos
& da vida séria o riso estrombótico
do medo arrancado
a matéria viva do meu sangue teu
da minha voz tua
da tristeza rotineira peço licença temporária para amar
com brutalidade & encanto
o desatino o desvario
das pernas enlaçadas
todas as
coisas em estado puro.
//
o que fazer o que realizar como
mudar este céu obscurecido
de estigmas
como achar o jeito total de
olhar para a distância dessa
laje
povoada pelos antigos
ainda busco abandonar
as estradas do interior
as paragens que percorri Pará adentro
e quanto tempo perdi atrás do
sentido das coisas
quantas vidas ainda perderei
nesta busca pelo mítico pelo que urde
em mim o Coração Arcaico
quanto tempo estarei apagado
sem qualquer mão que acaricie
o sentido dessa derrota
o que mais dói é esta capital sem
lendas
que negou o uirapuru a matinta
pereira
a luta cabana
meu filho mergulhará o mundo no igarapé de Doracy? de
Vitalino?
meus avós.
não sei do futuro do passado do presente
só sei o que está posto a mesa
esta guerra de signos
o suor do trabalho
a dança o legado
da revolta cabana
aceso em minha vida
meu filho comerá estas mangas que caem na calçada da avenida
nazaré?
sou uma interrogação boiando neste
rio
e sei que habita em mim ou sou eu
quem habito
as esquinas da cidade submersa
que talvez seja eu
corpo levado na preamar.
//
nos
entreguemos ao ridículo
façamos
o sexo canibal do submundo
contemos
um ao outro
histórias
da infância desgraçada
&
cárceres em reformatórios imundos
por
roubar fruta na feira & cachaça
no
supermercado
por
fazer arruaça & poesia
nas
calçadas de pombos & fezes de mendigos
cultivemos
juntos o sonho xamã dos animais de rapina
a
indomável verve do sangue ancestral em nossa boca
sejamos
no mundo a mesma cicatriz
&
a mesma cólera
na
pele branca dos governos
a
luz apagada na varanda dos sem teto que cantam canções de rebeldia
os
lobos uivando na praça da república incendiada
toquemos
fogo em tudo
em
tudo o que é tradição & conservadorismo
pois
tu sabe & e eu sei
somos
a geração da ruína
a
estética dos incendiários é
a
única que me interessa
maculemos
cúmplices as salas de cinema de arte frequentada pela burguesia intelectual
&
façamos de putaria & transgressão
o
futuro
o
amor dos jovens necessita de uma revolução
de
outra forma
tanta
rebeldia não daria em nada
&
choraríamos juntos o passado de derrotas & hecatombes
mas
se preciso meu amor
mandemos
tudo à puta que pariu
&
evaporemos num mundo desconhecido
amantes
da destruição.
//
a
costa de meu pai dói
doem
suas mãos suas pernas
as
pedras atravessadas em sua vesícula retinem
dói
o passado de meu pai
doem
seus erros de juventude
já
esquecidos pelo tempo
dói
sua visão que tenta enxergar as minúsculas letras do velho testamento
o
futuro dói cada vez menos em nós
mas
nada me diz meu pai
exceto
certa ternura indispensável
ao
silêncio que nos abisma um do outro
me
lembro ainda de seu olhar cansado
rasgando
rodovias estaduais
no
caminhão da empresa
em
que trabalhava
daquele
caminhão restaram essas memórias de moleque calado
&
então a empresa faliu &
meu
pai arranjou outro emprego
noutra
empresa de
exploradores
& explorados
unidos
únicamente pela ilusão de igualdade
sonhava
tão pequeno aquela época
queria
também rasgar rodovias estaduais com um sorriso
triste
de saudades de casa
quando
abandonamos as cidades sem nome do interior
quando
abandonamos o medo que a juventude desse tempo carrega
de
amar & viver as coisas boas e más
que
os livros escolares não nos ensinaram
//
morando
na estranheza de
outros
jeitos
de
bocas que se abrem
num
swing que só conheço distante
e em
pouco tempo irei partir
novamente
para
o futuro amargurado dos que
se
perderam
para
o destino de mágoas de
quem
tentou ferir a vida
e
apenas deixou um vazio enorme no peito de quem o amou
como
um personagem louco e desesperado de alguma
peça
de sam shepard
como qualquer
baihuno que belchior cantou
derrotado
pelos sonhos
de
uma vida não melhor
mas
pelo menos livre
noutro
lugar noutro sotaque
noutras gentes
agora
o olhar perfurado pela
leveza
de quem cedo irá morrer
pelas
mãos do próprio destino ou
apenas
pelo destino das próprias escolhas
e o
silêncio é aceitação agora
não
só a resposta a tristeza
que nunca
me deram
//
as páginas amareladas
desses livros na estante
concretos exílios do tempo
meus pés tocam um chão
de vidro, pedra e fogo
mas não dói
pois o que é real fere só
até certo ponto
a carne o pensamento o olhar
estas coisas amorfas
feitas do teu
abstrato
veneno mortal (as palavras
que dissemos no que
o amor desfigurou) da
pele impura nos fizemos
doentes inertes da amargura
que só o coração que bate e sangra
conhece
os punhos feridos das carícias
nojentas de nossos exílios
de lençóis marcados e
bocas saturadas de febre
um silêncio de amantes escarnecidos
e a última palavra decepada de
sentido, bem, uma profundidade
a mais, um imenso calor na voz
o coração do poeta é o último
ônibus da noite, vazio,
silencioso, que chia
bregas e bonitas
canções
o coração do poeta é um
lugar escuro, intocável
que só as pedras
escutam
que só o barro conhece.
//
Roge Weslen é poeta, 22 anos, morador da periferia de Belém do Pará. Autor do livro fantasma "ardências - primeiras paixões e desvarios" (appaloosa books, 2018), publicado em formato virtual.
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