Bancas de revista - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 


Bancas de revista 


Gutemberg Armando Diniz Guerra
Engenheiro agrônomo

Os gibis são as primeiras imagens que me vem ao espírito ao passar em frente às bancas de revistas e jornais dessa Belém em que algumas delas se perpetuaram como as três da Praça da República, ou aquela da Avenida Nazaré, do outro lado da praça em que se destaca a Basílica. Passei anos matutando sobre o termo gibi, associando-o ao que nem devo dizer aqui, até descobrir que não passa de tirinhas, ou quadrinhos. Teria se originado de uma revista brasileira lançada em 1939 por Roberto Marinho e o significado seria negrinho, ou pequeno negro, segundo uma informação sapecada no Google.

As lembranças são muitas e interligadas ora aos álbuns de figurinhas nos anos de Copa do mundo, ora a publicações de revistas em quadrinhos com estórias do Faroeste, com personagens que ficavam sempre na minha cabeça como heróis e bandidos. Com o avançar da idade e da consciência crítica entendi  que alguns heróis eram bem menos ortodoxos e mais cruéis e pervertidos do que aqueles que eles combatiam e denominavam de bandidos. A propósito, alguns deles sendo péssimos exemplos para a história oficial que se aprende nas escolas e que reproduzem versões dos vitoriosos em detrimento de uma crítica mais abalizada sobre verdadeiros massacres como o dos índios norte americanos.

Outro elemento forte de minha memória é o da banca de revistas no Largo da Madragoa, e outra no Largo do Papagaio, ambas na península itapagipana em que passei infância, adolescência e parte da juventude. Não só revistas de faroestes mas também fotonovelas eram adquiridas e lidas, passando em seguida para a fase de troca de figurinhas e publicações com amigos e vizinhos. As revistas eróticas e pornográficas também faziam parte do acervo dessas bancas, pontuando com as revistas americanas e suecas, para alegria e gáudio dos adolescentes e jovens com seus hormônios explodindo por todos os poros e nervos. Teve também uma época de livros de bolso, que embora fossem mais numerosos em livrarias, também podiam ser encontrados nas bancas. 

Era prática dos vendedores colocarem as mais vistosas tanto quanto os jornais abertos e pendurados em varais improvisados, permitindo aos leitores menos afortunados de lerem as manchetes e matérias de capa, principalmente dos diários, com as notícias mais retumbantes e sangrentas, valendo os verso de músicas como a revolucionária de Caetano Veloso que citarei logo a seguir.

Em Belém conheci e frequentei uma banca que ficava na ilharga do posto de gasolina que fica na esquina da Visconde de Souza Franco com a Senador Lemos. Ali foi importante ponto de troca de figurinhas nas copas do mundo de 1990 até quando fechou, e essa data já não posso informar, pois que ali foram feitas muitas modificações e não restou nenhum vestígio daquele estabelecimento.  

Banca de revista tem cheiro de tinta de impressões recém saídas das gráficas, sejam elas jornais, magazines, gibis, figurinhas, almanaques, livros, palavras cruzadas... A diversidade de informações que ali se encontram foram explicitadas pelo compositor baiano em Alegria, Alegria, música censurada pela ditadura militar, quando lançada. “O sol se reparte em crimes,/ Espaçonaves, guerrilhas, / Em Cardinales bonitas... /Em caras de presidentes,/ Em grandes beijos de amor,/ Em dentes, pernas, bandeiras, /Bomba e Brigite Bardot”.

 As bancas que povoam minha memória estão sempre ligadas a praças, esquinas e sombras de árvores que lhes amenizavam o calor acumulado nas paredes de folhas de flandres. Alguma delas tem marcas de resistência, como a do Alvino, em Belém, e a Graúna, em Salvador. A de Belém ainda existe, mas a de Salvador ficou na memória de um tempo que remonta à minha juventude, nos anos 70 e 80 do século passado. Da Banca do Alvino a publicação que me dá o toque de resistência política é o Jornal Pessoal, de Lúcio Flávio Pinto, sempre disponível naquele ponto, desde que cheguei na cidade das mangueiras. Da Graúna, de propriedade de Getúlio, membro de família de militantes comunistas, o evento que a marcou foi uma bomba colocada pelos adeptos dos ditadores militares, em uma madrugada daqueles anos de obscurantismo. Ali se vendiam jornais, bonés, camisetas, broches, discos e adereços das tendências políticas de esquerda as mais diversas, sendo a publicação mais famosa o Pasquim, notável pelo humor irreverente de importantes escritores e cartunistas da época. Essa se expandiu para uma loja, a Literarte, se não me trai a memória, situada em uma galeria que atravessava da Carlos Gomes para a Avenida Sete de Setembro, nas proximidades das Mercês.

Vivi em outros lugares em que as bancas de revista eram pontos de encontro para troca de informações, debates políticos a partir das manchetes de fatos locais, nacionais ou internacionais. Em Alagoinhas, no final dos anos 1970, uma banca na Praça principal do centro da cidade ofertava jornais de partidos políticos de esquerda e serviam de referência na sede municipal. Em Marabá o dono da banca mais famosa era um mudo, e ficava situada na Praça principal da Marabá Pioneira, em frente ao Banco do Brasil e à delegacia de Polícia. Ali era disponibilizado o Correio do Tocantins, publicação de caráter regional produzida em Marabá mesmo, mas também chegavam os noticiosos de Belém e de outras cidades do país.

Não posso deixar de manifestar o sentimento de perda nas mudanças que tenho sentido nesse setor outrora tão importante e agora tendo que criar estratégias para sobreviver à concorrência com outras mídias virtuais e que dispensam locais físicos de distribuição. Mais do que isso, o ambiente e as formas de exposição, tanto quanto dos produtos ofertados vão descaracterizando o que foi marcante nas décadas anteriores.

A internalização da atividade mercantil de jornais e revistas em centros comerciais de grande superfície como supermercados e shopping centers, cobrando aluguéis escorchantes por espaços exíguos inviabiliza ou submete os vendedores desses apetrechos a situações difíceis, beirando ao perigo de extinção. Elas vão, melancólica e literalmente perdendo seu lugar ao sol e o glamour que mereceram versos e prosas...

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