O DESASTRE CLIMÁTICO DO RIO GRANDE DO SUL NA PERSPECTIVA DIALÉTICA - Manoel M. Tourinho; Manoel Moacir C. Macêdo & Gutemberg A. D. Guerra
O desastre climático do Rio grande do sul na perspectiva dialética
Manoel M. Tourinho;
Manoel Moacir C. Macêdo
& Gutemberg A. D. Guerra
Em artigo anterior, os mesmos autores
deste se esforçaram para trazer à liça os efeitos climáticos no Rio Grande do Sul
– RS, decorrentes de fatores que merecem, pedem e exigem um debate dialético.
Esses fatores são ao menos de três grandezas: político, tecnológico e social.
Eles se cruzam para determinar os acontecimentos climáticos que se intensificam,
ao tempo que reduzem na ocasião-ocorrência, oferecendo vidas ao “holocausto”.
A expressão de solidariedade do povo
brasileiro a essa tragédia não será suficiente se permanecer limitada àquele
estado, pois exige uma profunda revisão da postura nacional frente às
necessidades de uma justiça climática e ambiental. Como escreveram
anteriormente, eles mostraram o Nordeste como contraditório. Na atualidade,
seca e chuva abundantes ocorrem em todas as regiões brasileiras e com trágicas
consequências. Muitos atribuem aos fatores derivados dos ciclos geológicos do
planeta, fato que não se desmente, mas o encurtamento, é verdade, também não se
pode negar, muito menos os efeitos na economia e na sociologia das populações.
Causas e efeitos dessas mudanças são
sistêmicos, o que não é novidade para a ciência, muito embora os tomadores das
decisões políticas não considerem essas interações. Insistem em formulações
politicas monocráticas e unilaterais. Desde “O Manifesto Comunista de Karl Marx”,
publicado em 1848, que a urbanização é tratada como fator de desarticulação
social, marginalização e estimuladora de violência. A urbanização favorece a
economia de escala e a acumulação rápida do capital, mas cria exércitos de reserva
de mão-de-obra, ocupação de áreas inadequadas à moradia e, enfim, potencializa
vítimas às mudanças climáticas. Na cidade de Salvador, capital do estado da Bahia,
existem cerca de 400 áreas de riscos habitáveis pelas concessões políticas
atuais. Várias cidades amazônicas, em número expressivo no estado do Pará, são
sensíveis e sujeitas às inundações, a exemplo das várzeas, que estão sendo
aproveitadas como fronteiras da expansão urbana e não há restrições ao avanço
da urbanização na Belém insular.
As tecnologias empregadas no campo,
na via do agronegócio, articulam-se sistemicamente com a urbanização e as
correntes migratórias. O agronegócio ufana-se de que a participação do fator
terra nas suas planilhas de lucro é residual. Para os seus representantes não
se necessita de trabalho e de terra! Assim não se indica a reforma agrária que
se torna uma questão apenas de movimentos sociais contestatórios e não do
conjunto da sociedade. É um modo de produção, centrado no uso denso de
tecnologias sintéticas. E o pior dos raciocínios da neutralidade: ela em si, a
tecnologia, não afeta o meio ambiente, embora qualquer ribeirinho, camponês das
várzeas, saiba que na Amazônia o assoreamento dos rios acontece pelo
inconsequente uso da terra com tecnologias inapropriadas como as aplicadas nas
terras altas, a exemplo da região conhecida como território do MATOPIBA –
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. No RS não foi e não é diferente nem exceção,
mas a regra do emprego desse modo intensivo em tecnologia rica em capital.
Os dados temporais sobre a
profundidade média da Lagoa dos Patos no RS, mostram o seu deterioramento.
Igual situação é vista na bacia coletora do rio Pará, defronte à cidade de
Belém. Quais causas maiores que o inadequado uso da terra, os efeitos no clima
e nas populações ribeirinhas? Merece destaque atentar para o uso de tecnologias
desenhadas para outros espaços geográficos e condições socioculturais, as quais
não seriam também causas de tais desastres? As intensas chuvas no RS trazem,
acima de tudo, um grande custo humanitário. Centena de mortes e feridos e mais
de duzentas mil pessoas perderam as suas casas.
Avaliadores econômicos
internacionais, dizem que a repercussão dos atuais acontecimentos climáticos
extremos no RS afetará em larga proporção o setor agrícola gaúcho, repercutindo
no aumento dos preços de alimentos como a soja, arroz, trigo e milho. É
possível que o setor do agronegócio tradicional se dê conta, ainda que tardio,
que “o feitiço pode virar contra o feiticeiro”, pois nenhum setor bolina tanto
a natureza como o agronegócio haja vista a derrubada de matas, queimadas,
aterro de fontes aquáticas, irrigação, eliminação e predação da fauna
silvestre, construções de rodovias e ferrovias para transportes, desemprego,
migração rural-urbana, estímulo à garimpagem predatória e poluidora dos
ambientes e o aquecimento global, entre outros fatores na mudança climática.
A questão climática e suas
consequências é um prato servido à mesa dos comensais agressores da natureza. A
cada momento, pelos seus efeitos, somos convocados à consciência cidadã. Até
mesmo as religiões humanistas em seus postulados nos convocam a refletir
dialeticamente sobre a conscientização ecológica. Uma das exortações do Papa
Francisco, na encíclica Laudate Deum
de 2023, reza “às pessoas de boa
vontade”, por um olhar humano sobre a crise climática, em que o crescente
paradigma tecnocrático, a fragilidade das políticas e as motivações espirituais
que desde a Laudato si de 2015, clama
pela fé para entender que “a responsabilidade perante uma terra que é de Deus
implica que o ser humano, dotado de inteligência, respeite as leis da natureza
e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo”. Amém.
Os autores, são engenheiros agrônomos, cristãos e
respectivamente PhDs pela University of Sussex, Inglaterra; University of
Wisconsin, Estados Unidos; e École des Hautes Éstudes, França.
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