Entrevista com Gabriel Alvarenga

 

                                      


Entrevista concedida por Gabriel Alvarenga para Marcos Samuel Costa da Revista Variações em 27 de julho de 2024.


01 - Gabriel, nos fale um pouco do teu processo de escrita. E além disso, nos fale também de ti, quando está escrita começou e por que ela começou?


Sempre li muito, mas escrever não foi algo natural, gostava mesmo era de imaginar as histórias, aquele estado de envolvimento alucinado que a gente tem ao ler um livro bom ou ouvir um relato das pessoas, acho que foi isso o que me puxou pra escrever e imaginar histórias minhas. Eu comecei a escrever no fim da adolescência, com pequenas ideias, explorando narrar alguma coisa. Mas o processo de escrever tomou força pra mim a partir do momento que comecei a criar esse espaço intermediário de vivência que escrever proporciona, esse lugar que falta propósito e sobra sensação. Dou muita liberdade para as ideias, vou escrevendo com quem vai lendo, sem tanto planejamento de início, mas sim descobrindo um novo fio de vivência. Este romance, em especial, surge dum sonho onde encarnei o personagem e o desafio (colocado por uma amiga) de escrever essa história. Comecei a escrever em 2013, o livro veio em retalhos, ideias súbitas, cenas que vivi e que pediam documentação, estados emocionais firmes dos personagens – um Frankenstein que nem eu sabia onde ia ser costurado, se ia mesmo ter vida! E houve uma cena central que me decifrou todo o correr da história quando consegui escrever, mas, como procedimento, todo texto correu bem livre. Daí habitei todos esses anos com esses personagens. Claro que há um enxugar, um espalhar do texto bruto que sai dessa liberdade, muito trabalho de burilar o texto até que ele vibre incandescente, todo escrever é um arroubo e um cultivo né? Mas escrever sempre é uma experiência, meio alucinada, meio possuída, de invasão e contágio em mim.


02 - Como se manifesta a tua escrita, quais caminhos, quais tempos de escrita e pausa, quem é o escritor Gabriel Alvarenga?


Atualmente digo que escrevo com mais densidade, antes era uma maratona constante e desesperada, hoje talvez mais habituado com o escrever e mais aprofundado de caminho percorrido. Digo isso porque não tenho tanto método quanto ritual para começar a escrever. Escrevo sempre que posso, muitas vezes a noite, aos pedaços, pelo celular ou notas de papel e a maioria do tempo direto no computador. Levanto da cadeira todo o tempo quando escrevo, escuto música, por vezes saem duas páginas corridas em 5 minutos, as vezes é uma noite inteira zanzando pela casa e escrevendo uma sílaba por vez pra fechar uma frase. Deixo a escrita ser esse local que entro e saio o tempo todo, porque transformar em texto é mais um exercício de tradução e psicografia de sensações-cena que são muito maiores que as palavras. Escrever pensando em texto final, formato ou método, para mim, bloqueia tudo. A escrita se impõe, a gente negocia como vai ser o telégrafo hoje e fica um tempo morando com cada texto – uns são beijo roubado, outros meses inteiros na praia deserta, e pra eu conseguir entender o que está se fazendo na escrita, eu preciso ficar um tempo aí com essa atmosfera. Eu começo a escrever muitas vezes sem pensar se vou fechar ou concluir, tento entender o ritmo e a respiração de cada volta literária, tem texto feito em uma noite, tem livro que se gesta em 10 anos. Mas pra mim é ficar encantado, encucado, encarnada e esfarelado.


                                     


03 - Nos fale do seu novo livro, dos quais percursos te levaram até ele ou como ele chegou até a ti?


Esse livro salvou minha vida de uma certa forma. Me fez companhia em um período de minha vida muito escuro, muito solitário, e Pirata, o personagem do romance, surgiu como um espelho kamikaze do que se passava em minha vida naquele momento. Mas, como todo espelho de vidro, se espatifou e ampliou os reflexos aos milhares, e foi numa jornada a essa noite humana e carnal que ele me levou. Foi concluído em dois anos, escrito em estados intensos afetivos e aos pedaços como disse, mas me chegou mesmo como uma forma de olhar a vida humana de modo tragicamente radical, afetivamente apaixonado e com bastante fome. Esse romance também emperrou muitos anos, quase foi deletado visto a quantidade de “nãos” que recebeu. Muitos dos concursos, editais e propostas para editais foram negados, e eu, autor humano que tem que dar conta do cotidiano, pensei em maldição, em história indigesta, em escrita de má qualidade... O romance toca temas talvez ousados para algumas pessoas como sexo, vivência LGBT, violência urbana, solidão e uso de drogas, mas o percurso de um texto independente muitas vezes é mais dúvida e fúria que resposta mesmo. Ainda não sei o que se passa, mas Pirata girou anos talvez pra maturar, ou pra conseguir chegar a um prêmio LGBTQIAN+, talvez pra chegar nas parcerias felizes que tenho tido – aqui celebro a imensa oportunidade da revista Variações e da editora Folheando –, talvez pra ganhar prumo, não sei, mas só sei que ele publicado é um descarrego e uma festa. Me chegou como um abraço, fomos aos trancos e barrancos correndo mundo, mas permanece esse firme e amoroso abraço.


04 - Buscas uma escrita que se aproxime do que ou que se afaste do que?


A escrita me aproxima da vida, dos acontecimentos nesse vislumbre apoteótico que está na pele, nas sensações e nos encontros, acho que quero sempre me aproximar da intimidade das coisas. E me afasto, ou tento ativamente desfazer esse formato da escrita, de análises pretenciosas e “corretas” sobre alguma situação ou das ditas belezas perfeitas do mundo literário. A injustiça, a marginalização e a violência não me espantam, me assombram, mas não me espantam. Todo artista que topa ver a vida de frente vai se dar com toda forma de tragédia, e a mim escrever e fazer passar sim essas vozes esgoeladas, esses mini assassinatos cotidianos e todo sorte de injustiça e vileza que a experiência humana compõe. O mundo artístico é composto muitas vezes de machos inteligentes e privilegiados que ficam a se paparicar uns aos outros, num fingimento de ousadia que, pra mim, parece clube de babacas – dos temas que abordam aos modelos de avaliação que corroboram. Eu escrevo buscando a feira livre, a mulher, toda a comunidade, a sujeira da rua, o riso da criança, o soco no beco noturno, a bebedeira e o amor barato, não como curiosidade exótica, mas como sumo da vida real. A pompa da literatura, para mim, é tediosa e cruel, o mundo é caoticamente deslumbrante, e a gente tá aqui para fugir não da dor, mas da crueldade. Eu escrevo para poder tocar realmente em tudo.


05 - Quais tuas principais referências no processo de escrita desse novo livro?


Esse livro foi muito interferido por música, eu escrevo ouvindo música a maior parte do tempo, então penso que a cadência da carne desse livro é musical, do acid-rock de Janis Joplin aos versos de Cartola. Mas pensando em literatura, Clarice Lispector que me dá a mão o tempo todo para entrar nesse ambiente da escrita, Machado e sua ironia rebuscada acho que me olha o tempo todo, Cortázar me dá um fôlego para correr longe e Ana Paula Maia me lambuza a pele o tempo todo pra eu lembrar que sou chão. E muito cinema; muito do escrevo eu visualizo em fotografia, ângulo de câmera, composição e trilha sonora como a experiência do cinema de Luis Fernando Carvalho e Won KarWai – para citar alguns – me proporcionam.


06 - Indicarias uma playlist para esse novo trabalho?


Com essa do romance ter músicas tocando e interferindo o tempo todo, resolvi criar uma playlist onde coloco todas as músicas citadas no romance na ordem em que elas são citadas ou comparecem. De Cazuza a Ravel, de Led Zeppellin a Sergio Sampaio, passando por Fiona Apple e Secos e Molhados, quis criar essa possibilidade de que lê possa conhecer as músicas, ambientar a leitura com o som que Pirata escuta e abrir esse rombo de possibilidades sinestésicas que a música possui.


07 - Onde comprar teu livro novo?


Meu romance Obscuro fulgor está a venda no site da Editora Folheando e na Amazon. Também sempre há a possibilidade de comprar comigo, todo escritor brasileiro vai ter seus exemplares consigo, comprar com a editora ou comigo que é realmente incentivar a literatura independente desse país!






Carioca de nascimento, capixaba de criação, Gabriel Alvarenga é escritor, psicólogo e professor, e mistura arte e vida em seu percurso. Autor de quatro livros de literatura, O bem pela raiz (2012), Lúcia se fecha (2012), Supernova (2017) e O cubo e outros contos cariocas (2023), encontra na literatura em campo de liberdade, ousadia e afetividade onde contar histórias se apresente como potência da vida, desafio estético e encontro explosivo.


Variações: revista de literatura contemporânea 
XI Edição - outras margens, nenhum limite 
Edição de Marcos Samuel Costa

2024

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