Entrevista com BÁRBARA LIA
Entrevista concedida por Bárbara Lia para Marcos Samuel Costa da Revista Variações em 05 de agosto de 2024.
1 - Bárbara
nos fale um pouco do teu processo de escrita. E, além disso, nos fale também de
ti, quando esta escrita começou e por que ela começou?
Recordo,
nitidamente, do momento em que desejei ser escritora. Eu estava no balanço que
havia em um cinamomo no quintal da minha avó. O pensamento foi tão forte que
ficou aquela cena como uma foto esmaecida. Não pensei: Quero ser poeta. Achava
trágico e infinito e quase inalcançável o mundo raro da Poesia. Eu cresci
ouvindo - Os Lusíadas – e os épicos de Castro Alves e Vicente de Carvalho. Eu
não me imaginava compondo aqueles épicos. Eu desejei escrever histórias que
levassem o leitor a outro espaço/dimensão, a lugares desconhecidos, como eu era
levada por escritores que lia e achava incrível. Demorei décadas para
afastar-me da vida burocrática, empregos que ocuparam minha mente, a vida que
foi bifurcando por caminhos vários. Eu me aproximava dos quarenta anos quando
comecei a rabiscar as primeiras histórias e poemas. Na memória o desejo de uma
garota à sombra de um cinamomo em uma primavera qualquer. Na alma o alimento –
palavra - muitos poemas que li, os livros de autores de várias épocas e do
mundo inteiro. Ser escritor é enlear-se em uma espécie de céu transmudado onde
as palavras são as estrelas. Eu não poderia ser poeta não tivesse bebido a
Poesia de tantos que vieram antes de mim. Só agora eu entendo aqueles saraus
privativos na sala de minha casa. Meu pai e minha avó a semear poemas épicos.
Só agora eu me emociono com a sutileza de um pai que não ensina com a velha
ladainha e sermões, tudo era dito em Poesia. Se escrever foi o meu – adiamento
- penso que desde sempre eu fui poeta a compor poemas que só transcrevo agora.
É urgente que a Beleza permaneça no mundo, meio ao negror dos dias, das
guerras, das imensas fissuras que torna tudo tão assustador. E a essência da
Beleza está na Arte.
02 - Como se
manifesta a tua escrita, quais caminhos, quais tempos de escrita e pausa, quem
é a escritora Bárbara Lia?
Comecei a
escrever meio aos escombros de um tempo de perdas, morte de pai e mãe, final de
um casamento. No início eu guardava tudo na gaveta. Aos quarenta e nove anos,
vinte anos atrás, meu primeiro livro foi editado. Um livro de bolso (O sorriso
de Leonardo), pela Kafka edições baratas. Nunca mais parei. Minha vida foi
engolida por palavras, ideias, livros. Não faça pausas, é algo que beira à
insanidade, ser todo o tempo alguém que está a escrever algo.
Não sei explicar a minha própria criação. Sei que a prosa é
invenção que nasce da vontade de contar algo e criar personagens e enredos. A
poesia está em um território que desconheço. Algumas perguntas não tem
resposta. O que é Poesia? O que é o Amor? Defina Deus... Os mistérios seguem
atados ali, para a Eternidade.
03 - Nos fale
do seu novo livro, dos quais percursos te levaram até ele ou como ele chegou
até a ti?
Sempre soube
que meu primeiro livro falaria sobre os jovens estudantes rebeldes perseguidos
e mortos pela Ditadura Militar. Só não sabia que voltaria ao tema no meu sétimo
romance impresso. Demorei a ler sobre a realidade daqueles dias e, vida afora,
eu me sentia culpada por acreditar em meu pai, um radical de direita que
detestava os “vermelhos”, e chamava os rebeldes insurgentes de terroristas. Queria
pedir perdão aos jovens assassinados nos anos de chumbo, apenas por pensar
diferente de quem estava no poder. Os exilados, perseguidos, mortos. Meu primeiro
romance (Solidão Calcinada publicado em 2008) traz o tema que escolhi. Então
veio a eleição de 2018 eu fiquei sem chão ao perceber que o vento do perigo
soprava de novo. Na tarde do segundo turno da eleição eu escrevi algo que
imaginei se tratar de uma crônica. É o texto que inicia o livro. Depois, tudo
ampliou e se transformou em uma história. Emprestei algumas memórias minhas para
a personagem sem nome, mergulhei em cenários muito conhecidos, a cidade onde
vivi a juventude que batizei com outro nome e a cidade atual - Curitiba. Uma
cidade gélida que palpita Arte. Curitiba é linda! O livro chegou como quem diz:
Até quando vai ficar falando de outros lugares? Fale sobre Curitiba. Uma amiga
fictícia (Stella Moon) resume o espírito feminino e representa as mulheres com
quem dialoguei em cafés, passeios, recitais... Horas e horas em conversas
depois de ver um filme, ou uma peça de Teatro. Não é um livro político, mas a
mãe de Stella Moon - Nina - viveu nos anos setenta, conheceu um guerrilheiro (sem
saber que ele era guerrilheiro), no tempo das fugas, esconderijos, exílios. Foi
quando me vi a retomar o tema do meu primeiro romance publicado. O livro
costura vários temas: amores verdadeiros, amores doentios, belas amizades, a
ternura do primeiro amor, mentiras necessárias, buscas, escolhas...
Amei tecer o
enredo, ser “procurada” por personagens e narrar seus dramas e alegrias. Talvez
seja um livro homenagem à cidade onde eu vivo e aos encontros poéticos que
aconteceram nesses anos todos. Muitos amores fictícios e pensar neles
ressuscita a canção de Cazuza “Adoro um amor inventado”.
04 - Buscas
uma escrita que se aproxime do que ou que se afaste do que?´
A Poesia me
delata. Ela é como estender a alma sobre a mesa. Desnudamento puro. Eu sou
minha Poesia. Mas não sou e não penso e nem vivo como todos os personagens dos
meus romances. Já escrevi sobre coisas nunca vividas. Em meus romances eu já fui
guerrilheira, jornalista, garota de programa, estudante em Paris, professora de
piano... Vidas inventadas às dezenas. Todas essas mulheres protagonistas dos
meus livros querem se somar a uma luta. Igualdade em tudo. Não apenas entre os
sexos, mas em tudo. Sem perceber comecei a escrever romances dando o
protagonismo às mulheres. Em “Solidão Calcinada” são quatro gerações e elas vão
desenhando um cenário que narra o avanço da liberação das mulheres em pouco
mais de um século. Em “As filhas de Manuela”, oito mulheres seguem por quase
duzentos anos a construir um enredo. Nasci feminista, pois nasci livre. Não
participo de grupos, movimentos... Mas comemoro cada passo que a Humanidade dá
e que vai resultando nessas conquistas das mulheres.
Acho que –
naturalmente - minha escrita sempre foi o relato do meu encanto e do meu espanto
diante do mundo.
05 - Quais
tuas principais referências no processo de escrita desse novo livro?
A História
recente do Brasil. Frágil Democracia que necessita ser protegida. Foi a partir
desse medo de um retorno dos anos de chumbo que iniciei um diálogo da Bárbara
com a Bárbara. Eu me sentia muito sozinha naqueles dias e senti necessidade de
fixar um tempo, um momento. O meu próprio tempo. Acreditava ser parte do
passado o risco de um tempo sem Liberdade. Recordo que há alguns anos eu passei
noites em claro, mergulhada na dor, após ler a Literatura pós-Anistia. O relato
dos sobreviventes. Ou a biografia dos que foram mortos: Frei Tito Alencar de
Lima (Batismo de Sangue do Frei Betto), Iara Iavelberg. Li livros e livros... O
que é isso companheiro? (Gabeira), As moças de Minas (Luiz Manfredini), Brasil
Nunca Mais. Cartas da prisão (Frei Betto). Entre filmes, livros e canções sofri
na pele aquele tempo. As canções de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso.
Eu jamais poderia narrar algo como eles, pois nunca fui alguém entranhada na
História a ponto de arriscar minha vida, ser perseguida, banida exilada. Criei
um personagem guerrilheiro e levei-o a uma cidade pequena e ele viveu com Nina
(mãe de Stella Moon) uma história de ternura que amei compor.
06 -
Indicarias uma playlist para esse
novo trabalho?
As canções do
livro “Stella Moon e a Mulher Sem Nome”:
O Cinema é
mais exaltado no livro que a Música. Há um trecho que é uma Ode, um canto de
amor ao Cinema.
Algumas
canções marcaram a vida de alguns personagens e são citadas em algumas cenas, evocam
memórias. É uma seleção eclética.
-
Hare Krishna Hare Rama (Gourab
Shomes).
-
Irmãos
coragem (Jair Rodrigues).
- Miserere Nóbis
(Gilberto Gil), por extensão todas as canções do álbum Tropicália ou Panis et Circenses.
-
La vie en rose (Edith Piaf)
-
London, London (Caetano Veloso)
-
Beatles –
Todas as canções. Por conta de um evento, elas são odiadas pelo personagem
Stellan.
07 - Onde comprar teu livro novo?
No
site da Editora Folheando.
https://www.editorafolheando.com.br/pd-96ad72-stella-moon-e-a-mulher-sem-nome.html?ct=&p=1&s=1
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