Sobre nomes e sobrenomes - Gutemberg Armando Diniz Guerra


O autor



 Sobre nomes e sobrenomes



Gutemberg Armando Diniz Guerra


Cada vez mais tomo consciência da violência contida nos meus nomes e sobrenomes, mesmo considerando o contrapeso que fazem o rei da festa e a montanha boa neles contidos. Vejo em um dos dicionários disponíveis na internet que o sobrenome tem como acepções 1. Nome de família que se segue ao nome de batismo e 2. Apelido, nome ou alcunha que se acrescenta ao nome próprio de uma pessoa ou família. 
O meu nome próprio foge à regra, pois o ganhei do sobrenome do famoso alemão que inventou a máquina para imprimir livros em série. Andei sabendo que, na composição dos nomes alemães, depois de um nome próprio vem a designação da principal atividade desenvolvida pela família seguida do lugar onde habitam. Assim, Johannes era o nome do sujeito, Geinsflecher (ou Gansezuchter) seria a criação de gansos, atividade que praticariam, e Gutemberg era a montanha em que habitavam, em algumas traduções significando montanha boa, em outras seria a corruptela de montanha dos judeus (jundenberger). Ganhei, pois, como nome um prenome seguindo o nome de meu pai, Armando, que teria origem francesa (Armand) com o significado de armeiro, ou fabricante de armas. Entretanto, em uma associação aportuguesada, muita gente pensa que o Armando é o gerúndio do verbo armar que faria uma conexão direta com o Guerra que conclui minha belicosa identificação. Não fosse o Diniz, aportuguesamento de Dionísio, eu nada teria de alegre no nome que carrego, produto de uma história longa e certamente conturbada da sociedade em que vivo. Ao me ser atribuído o nome que porto, soube por meu pai que teria a ver com uma amizade de infância e adolescência e que teria se desfeito com o falecimento do homenageado. É claro que a sonoridade da pronúncia, a importância histórica do judeu alemão associado com a produção massiva de livros influenciou na decisão de me atribuir o apelativo. Por ser tão extenso e pouco prático para a maioria das pessoas escrever, costumo, ao ser interrogado, mostrar logo um documento de identidade. Entre os mais íntimos, acabei sendo mais rotineiramente chamado por um apelido que nada mais é que o diminutivo do prenome que também é a melhor parte da etimologia da palavra que me foi dada por prenome: Gute (bom ou boa). 
Ainda sobre o meu nome e sobrenome, assim como dos meus irmãos, todos carregamos o nome completo de meu pai: Armando Diniz Guerra. O irmão mais velho teve apenas o Filho acrescentado para diferenciar do patriarca. Os seguintes tiveram um prenome acrescentado, seguido dos três do nosso genitor. Assim, somos todos Armando Diniz Guerra, uma espécie de clone nominal muito afetivo, mas excludente de qualquer participação da família materna. Quanto às minhas irmãs, tiveram o nome da família da minha mãe inseridos nos nomes, mas ao casarem perderam o Pitanga que as ligava à matrilinearidade.
Muita gente não reflete sobre os significados que carrega em sua identificação pessoal, ficando sem saber, portanto, boa parte da história e representação que carregam em suas vidas. Os responsáveis, que têm o poder de nomear seus filhos ou parentes próximos, normalmente carregam muito afeto ao fazer esse gesto. Homenagens a personalidades históricas, a parentes ilustres ou muito amados refletem essas nominações, às vezes, fugindo aos mais comuns, surpreendendo os que estejam habituados às simplicações.
Sabe-se que os prenomes judeus traduzem significados muito bonitos, tanto quanto os gregos e latinos, muitas vezes associados com os sentimentos (João significa Deus é gracioso ou agraciado por Deus), elementos da natureza (Hélio significa Sol) ou circunstâncias (Felipe significa amigo dos cavalos).
Os sobrenomes em português associados a elementos dos reinos da natureza teriam origem histórica na perseguição aos judeus pelos católicos, em circunstâncias que os teriam levado a renunciar aos termos que os identificavam com a religiosidade hebraica, adotando designativos de espécies animais (bezerra, sousa, carneiro, gato, galo, pinto, cachorro) e vegetais (silva, cardoso, pereira, mangabeira, laranjeira), profissões (ferreira, machado) ou localidades ou acidentes geográficos (costa, serra, rios), mascarando sua confissão, mas deixando a marca de um momento histórico conturbado.
Prefixos ou terminações em várias línguas indicam filiação como o mac em inglês (Mac Donald, filho de Donald), es, em português e espanhol, dando origens a Nunes (filho de Nuno), Alvares (filho de Alvaro), Alves (filho de Alvo), Gomes (filho de Gomo). Da construção de nomes em inglês é comum se encontrar terminações em son, indicando filiação (Edson = filho de Edson; Robson, filho de Rob).
Tive a oportunidade de encontrar nomes que parecem ter sido dados em conformidade com brincadeiras de mau gosto, ou mesmo para demarcar o poder do nominador, o que costuma ser de consequências imprevisíveis para quem é obrigado a portar e se apresentar por essa prática que é fundamental na identificação das pessoas. Também ouvi casos (ou causos) de nomes engraçados por causa das combinações de nomes de pai e mãe, ou ainda por mal-entendido dos responsáveis pelos registros nos cartórios. Enfim, as causas de nomes diferentes podem ser muitas!
O fato é que há muito mais do que se possa imaginar em cada nome e sobrenome das pessoas, o que dá muito para se refletir sobre o assunto e sobre o que cada um tem em si de história da humanidade e do grupo familiar ou identitário a que 
pertence.

Comentários

  1. Crônica muito interessante, instrutiva e esclarecedora. Ler esse texto me faz lembrar o meu prenome, Valdinar. Gostaria muito de ter um nome tradicional e composto. Acho bonito nomes compostos, como, por exemplo, Marco Antônio. Se tivera uma filha, ter-lhe-ia posto o nome de Mísia Flávia. Meu pai me deu o nome em homenagem a um amigo dele, da juventude, que assim se chamava. E Rita Célia de Sena, minha professora de Datilografia, em 1980, tinha o maior carinho comigo por causa do meu nome. Tinha ela um sobrinho de nome Francisco Valdinar, que ficara no Ceará. Parabéns, caríssimo amigo Prof. Dr. Gutemberg!

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  2. ... Mísia Flávia ou Édila Márcia. Sempre lindos esses dois nome de mulher. A mulher do Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá chamava-se Édila Márcia Mendes Lopes de Sá. Prof.ª Dr.ª Édila Márcia Mendes Lopes de Sá. Antônio Lopes de Sá era doutor em Contabilidade e escreveu prolificamente na área contábil. Deixou muitos livros publicados. O homem era fera!

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