11 poemas de Carles Camps Mundó - Tradução de Josep Domènech Ponsatí

 

Djanira Motta









“Uma palavra isenta. 11 poemas de Carles Camps Mundó”

 

Do livro Llibre de les al·lusions [Livro das alusões], Jardins de Samarcanda, 2004.

Tradução de Josep Domènech Ponsatí




Inanimada. Mas seu último sopro
— recíproco com o sopro da origem —
retornou a Deus a vida.
 
(Instintivamente eu acreditei acreditar.)
 
 
 
*
 
Você morreu e eu vivo com a culpa
da vida: como se viver
fosse não sentir suficiente tristeza.

 
*
 
Você morreu do corpo,
só do corpo — digo para mim —,
porque, no colo de Deus,
será eterna
                  Mente.
 
Procuro consolo.


 *
Mas as mãos cheirosas de musgo,
as benignas mãos da minha
mãe, estão quietas para sempre,
lá, sob a noite dos ciprestes.
Salvador Espriu
 
 
Irremissivelmente. Você agonizava.
E a gente segurou sua mão
para te ajudar a morrer, porque o tato
— já o último dos sentidos —
te fizesse sentir um pouco menos sozinha
na solidão da morte,
mas eu como que percebi
— talvez, desamparados, todos percebíamos —
que era você a que segurava as nossas
com as suas benignas mãos
— como na infância — para nos ajudar
a viver.


*

 
Quero acreditar em Deus porque você acreditava.
Quero acreditar sim que a alma,
desprendida do corpo pela morte,
se desfaz dos limites do eu
para integrar-se numa única identidade:
a integridade divina.
 
Por você quero acreditar.
Quero acreditar como você acreditava
que é verdade a Verdade que proclamava.
Quero acreditar que em Deus você está sendo,
como desejava.
 
Mas não acho consolo nenhum nisso:
sei que não vai ser mais a mãe
— suas lembranças, seus afetos —,
porque, embora seja verdade
a Verdade na qual você acreditava
e na qual por você quero acreditar como oferenda,
quando também estarei morto,
idêntico às outras células de Deus,
não poderemos nos reconhecer.


*
 

Agora que você morreu,
gosto de pensar que esperas por nós
na Grande Escuridão
para abrir, quando entremos,
os janelões imensos da Luz.
 
De par em par.
 
E então a morte
parece-me menos temível.
 
Inocentemente penso isso.
 
Como a criança que, medrosa,
não ousa entrar sozinho
num quarto escuro e chama
a mãe para ela ir na frente.


*
 
A sua morte fez com que a palavra
mãe —tão terrenal, tão nutridora—
tornou-se para mim uma
palavra sem nada tangível
que a sustente,
uma palavra isenta,
como Deus ou como ausência.


*
 
E agora, você morta,
dos meus sentimentos teus,
o que é que eu vou fazer?
 
Porque me assusta
que, sem objeto,
sem quem a quem dedicá-los,
fechados em mim
e nunca mais correspondidos,
se enquistem, mórbidos,
ou acabem me fazendo uma atrofia,
até o ponto de não reconhecê-los.
 
Por isso choro tanto por você.
Choro por eles.


*
 
Morta, você não existe.
Mas amorosamente te evoco,
e no cerne da lembrança eu te gesto
até trazer-te ao mundo.
 
Agora eu sou a mãe.


*
 
Que tenha morto, mãe, que tenha morto a sua vida,
que era também a minha vida anterior a viver,
me deixou sem origem: como se eu não fosse — de sempre —
senão imaginação minha.


*
 
Mãe
de sombra.
 

________________________________________________________________

Carles Camps Mundó (1948). A sua obra poética recebeu os prêmios Parc Taulí( 2006), Carles Riba (2009), Serra d’Or de la Crítica (2014) e o Octubre de Poesia( 2017). No ano 2018, com o título La mort i la paraula. Obra poètica (1988-2018), reuniu os quatorze livros de poesia publicados até então. Mais tarde publicou os volumes Desig de veu, Envellir en la bellesa e L’Instant inexacte. Também publicou alguns livros de prosas breves — Com els colors a la nit — e de textos de reflexão. onde predominam as anotações sobre linguagem e poesia —La figuració del(s)s  entit(s), Memòria de la inquietud—. Tem poemas e prosas traduzidos para váriosi diomas. Destaca-se uma antologia publicada no Brasil em 2015.

  



 Poemas em Catalão 

 

Inanimada. Però el teu últim hàlit

—recíproc amb l’alè de l’origen—

ha tornat a Déu la vida.

 

(Instintivament he cregut creure.) 


 

Has mort i visc amb la culpa

de la vida: com si viure

fos no sentir prou tristesa.


 

Has mort del cos,

només del cos —em dic—,

perquè, en braços de Déu,

seràs eterna

                   Ment.

 

Busco consol.


 

Però les mans oloroses de molsa,

les benignes mans de la meva

mare, són quietes per sempre,

allí, sota la nit dels xiprers.

Salvador Espriu

 

 

Irremissiblement. Agonitzaves.

I et donàvem la mà

per ajudar-te a morir, perquè el tacte

—ja l’últim dels sentits—

et fes sentir una mica menys sola

en la soledat de la mort,

però a mi em semblava notar

—potser, desemparats, tots ho notàvem—

que eres tu la que ens agafaves

amb les teves benignes mans

—com de petits— per ajudar-nos

a viure.


 

Hi vull creure perquè tu hi creies.

Vull creure, sí, que l’ànima,

despresa del cos per la mort,

es desfà dels límits del jo

per integrar-se en una sola identitat:

la integritat divina.

 

Per tu hi vull creure.

Vull creure com tu creies

que és veritat la Veritat que proclamaves.

Vull creure que en Déu estàs sent,

com desitjaves.

 

Però no hi trobo cap consol:

sé que no tornaràs a ser mai més la mare

—els teus records, els teus afectes—,

perquè, encara que sigui veritat

la Veritat en què tu creies

i en què per tu vull creure com a ofrena,

quan també seré mort,

idèntic a les altres cèl·lules de Déu,

no ens podrem reconèixer.


 

Ara que has mort,

m’agrada pensar que ens esperes

en la Gran Fosca

per obrir, quan hi entrem,

els finestrals immensos de la Llum.

 

De bat a bat.

 

I aleshores la mort

em sembla menys temible.

 

Innocentment ho penso.

 

Com el nen que, poruc,

no gosa entrar tot sol

en una estança fosca i crida

la mare perquè el precedeixi.


 

La teva mort ha fet que la paraula

mare —tan terrenal, tan nodridora—

se m’hagi convertit en una

paraula sense res tangible

que la sustenti,

una paraula exempta,

com Déu o com absència.


 

I ara, tu morta,

del meus sentiments teus,

¿què fer-ne?

 

Perquè m’espanta

que, sense objecte,

sense qui a qui dedicar-los,

tancats en mi

i mai més correspostos,

se m’enquistin, morbosos,

o m’acabin fent una atròfia,

fins al punt de no reconeixe’ls.

 

Per això et ploro tant.

Els ploro.


 

Morta, tu no existeixes.

Però amorosament t’evoco,

i en el si del record et gesto

fins a portar-te al món.

 

Ara soc jo la mare.


 

Que hagis mort, mare, que hagi mort la teva vida,

que era també la meva vida anterior a viure,

m’has deixat sense origen: com si jo no fos —de sempre—

sinó imaginació meva.


 

Mare

d’ombra.

 

 

 

 

 

 

 

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