O candidato - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 




O candidato

Gutemberg Armando Diniz Guerra




O horário era o final da tarde. O sol e calor já não eram tão escaldantes como nas horas mais próximas do meio dia. Eu estava a caminho da escola do meu filho para esperá-lo à saída do estabelecimento. Na mesma rua onde se localiza a escola, três quarteirões antes, há um semáforo inevitável que permite a passagem de apenas quatro veículos a cada vez que o verde se acende. Outros pais e mães acorrem a esse grupo escolar para buscar os seus pequenos por este mesmo caminho, provocando uma desaceleração do trânsito pelo fluxo intensificado. Em um dos intervalos entre os sinais, eu esperava no início da fila quando alguém acenou dando batidas leves no vidro do lado do carona. Percebi um senhor maduro oferecendo alguma coisa em um santinho. Nem lembrei de que estávamos em tempos de campanha eleitoral e, sinceramente, pensei que era algum diarista tentando ganhar algum trocado fazendo distribuição de publicidade. Abri um pouco a janela e ouvi ele dizer: _Vou ser o melhor vereador que a cidade já teve! E estendendo a mão com dois santinhos contendo o retrato dele, me entregou! Eu olhei para ele, surpreso de ser o próprio representado no santinho, desejei-lhe boa sorte e ele se dirigiu aos carros que estavam atrás de mim. Olhei pelo retrovisor e o vi caminhando ao lado dos enfileirados veículos. Na calçada, uma cadeira de balanço vazia e nas portas e janelas de sua casa, cartazes e santinhos sugeriam ser ali sua moradia. Com o avançar dos carros que estavam a minha frente, segui meu caminho. Guardei os santinhos e fiquei pensando na curiosa maneira de fazer campanha, em horário de sol brando, à porta de casa, prometendo uma representação duvidosa, mas com toda convicção de vitória. 

Em casa, peguei a publicidade com calma e fui ver os detalhes daquele instrumento de campanha. No centro e ocupando dois terços do quadro, uma imagem do candidato de braços cruzados e um leve e enigmático sorriso monalisiano. Acima da foto, à esquerda, dois substantivos adjetivados prometiam oferecer aqueles atributos e competências aos cidadãos que lhe confiassem o voto. Ainda acima e à direita, a insígnia da agremiação a que estava filiado o sujeito, em cores muito sugestivas. Abaixo da imagem do candidato, uma linha amarela abrigava, também na mesma cor, o cargo pretendido. Na linha abaixo sobre fundo verde, mas escrito em azul circundado de branco, o nome do pretendente e, finalmente, mais abaixo, em letras amarelas o número que o identificava e ao seu partido político. As cores verde, amarela, branca e azul anil, além do mapa do país colocado na insígnia do partido oferecem uma leitura subliminar de um suspeito nacionalismo pregado como um alinhamento definido como conservador e de direita.

Na lateral esquerda do papelote uma espécie de identificação cifrada com um prenome e um nome de cidade e, do lado direito, números de CNPJ da gráfica que teria produzido o artefato, a quantidade da tiragem e outro CNPJ sem identificação de quem fosse a personalidade jurídica - talvez a de quem bancou aquela propaganda.

Refletindo sobre cada detalhe, vi que o partido do candidato era o mesmo do que sofrera a vingança da sogra de outro a quem lhe haviam referido uma acusação de assédio sexual, o que teria provocado acidentes vasculares cerebrais e levado a óbito a distinta senhora. A reação do agredido verbalmente foi uma cadeirada nas costelas e mão do acusador, com ampla repercussão midiática, pois que o debate foi público e televisionado para todo o mundo que quisesse assistir àquele combate que se pautou em desqualificações pessoais e que nada têm a ver com a gestão da maior cidade da América do Sul, pleiteada pelos debatedores.   

Voltando ao candidato fazendo campanha na sombra e prometendo o melhor desempenho de toda a bancada que venha a se eleger, pensei comigo mesmo: ora, ora, aquele que tem uma confortável cadeira de balanço para colocar na porta de casa no final de tarde e promete, de braços cruzados, que vai trabalhar para representar a massa trabalhadora e republicana está bem visto que não precisa de um assento na câmara municipal de nenhum parlamento do mundo concreto.

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