TRÊS POEMAS INÉDITOS DE CAIO VINÍCIUS

Caio Vinícius.


Toujours

 

 poder pagar o aluguel será o sonho de muitos até

quando morar deitar dormir deixar de ser um

luxo até

lá seguimos cabisbaixos latinoamericanamente

reclamando o preço do sol capinando lotes

preocupados em interpretar

certo o humor da bolsa

 

temos poucos problemas em aceitar a herança

dos nossos pais e

de repente saltar de lá

uma onça horrenda

preferimos um palio um esturjão chegar o fim

de semana comprar barato no bar primeiro

de maio e descaralhar

 

os cabelos por toda parte garras e ir tocaiando a

noite no melhor

sentido possível

acordo antes das seis de um sono mal dormido

já é outono preciso ir em ipanema declarar que

estamos todos vivos

 

eu você e apesar

do peso do sol

ganir baixo para ver se não acorda

a onça

carregando no quasar a garganta

opostos ao nunca num ritmo de ancas



A  boca é o início do mundo


esses dias ando tendo a impressão

que minha gengiva tem sangrado mais

não sei se é o cigarro o bruxismo

ou as palavras que não digo a você



Notas sobre a ferida


você vai crescendo por entre meus dedos

médio e anelar no espaço de contato

entre um e outro você entrou na minha vida

na minha pele e decidiu não sair nem com sal

nem com antibiótico e reza você não larga

o osso e continua comendo meu dedo

até a carne você é meu lembrete diário

da morte e o amor dela pelo meu corpo

 

eu quero construir outras alianças

fúngicas absorver outra flora e alimentar

um coro de vozes ferais na ebulição do meu

ácido acolher as fontes de vida que urgem

na rama mais ridícula das nossas roças

no meu monoteísmo que obriga a boca a repetir

o arroz e feijão a repetir o vinagre a repetir

a carne viva ainda exsudando um sangue

em que eu acordo e deliro



Caio Vinícius é pedagogo, niteroiense e trabalhador da educação na rede pública do Estado do Rio de Janeiro. Publicou o livro guaiá-m-u (2020) pela Editora Primata, além de poemas nos periódicos eletrônicos Torquato, Ruído Manifesto, Molotov não é bailinho e Jornal Plástico Bolha. Junto à Oficina Matéria-Prima, publicou o livro Antígona morreu então preciso falar com você (2021) pela editora Urutau. Atualmente, integra o coletivo Laboriosa e estuda poéticas e devires periféricos, revolucionários e possibilitários. 


Variações: revista de literatura contemporânea 

XII Edição, ano III - lâminas, línguas e Eros

Edição de Bruno Pacífico

2024

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