AS TRIPAS DO BOI DA CARA PRETA - Gutemberg A. D. Guerra; Manoel Moacir C. Macêdo; Manoel M. Tourinho

 



AS TRIPAS DO BOI DA CARA PRETA


Gutemberg A. D. Guerra; 

Manoel Moacir C. Macêdo; 

Manoel M. Tourinho


Contemplando as manifestações anticomunistas advindas de distintos níveis e classes sociais, seria pretensioso desmontar o sentimento de infundado medo que predomina entre conservadores, simpatizantes e tementes a Deus, menos pela fé e mais pela perda de bens, poder e riqueza. Arriscamos, nesse artigo de opinião, eviscerar o boi da cara preta e as bases das construções ideológicas carregadas de preconceitos sobre o comunismo.

As definições dicionarizadas e representações sobre o “sistema ideológico, político, filosófico, social e econômico” idealizado como comunismo são problemáticas e limitadas. Uma simples leitura das definições existentes suscitaria dúvidas sobre a existência de formas de governos comunistas, como desejam os comparativos conservadores. Os que resistem à ideia e à leitura proposta se apoiam em construções desconectadas da elaboração do barbudo alemão, Karl Marx. O fundamental da ojeriza vem calcada na incompreensão do que o bacharel em direito, reconhecido como filósofo e economista propôs no Século XIX um método baseado na construção de ideias que partem da concretude e fatos históricos.

O materialismo histórico é, ao nosso ver equivocadamente, contraposto à religiosidade ou às certezas que balizam as sociedades humanas desde as suas origens, em particular no que concerne à resposta filosófica às perguntas clássicas: de onde viemos e para onde vamos?

A premissa filosófica proposta por Marx baseada na percepção do mundo material, choca com os que defendem a palavra escrita nos livros sagrados como imutável, verdade absoluta revelada e incontestável, sequer ajustável às condições históricas em cada tempo e lugar, apesar dos evangelhos cristãos descreverem a caminhada de Jesus pregando sempre a justiça, rechaçando os opressores e suas leis ao tempo que praticava como exercício da fé e consciência a cura de toda sorte de doenças e enfermidades.

 A grosso modo, são duas premissas diferentes: uma advinda do filósofo Hegel, inspirador de Marx, que pressupõe o abstrato como ponto de partida, e outra do próprio Marx, lastreada nos fato, na matéria, no perceptível e provável, como ele mesmo diz em um de seus prefácios, invertendo a lógica hegeliana, fundamentada na capacidade do ser humano de tirar conclusões sem experimentar o concreto. 

Outro ponto importante a ser esclarecido é o conceito de classe social elaborado por Karl Marx, fundamento do marxismo, baseado no domínio dos meios de produção terra, trabalho e capital. Esse domínio determinaria a defesa de cada um à sua parte no processo produtivo, revelando os conflitos inconciliáveis e, portanto, estabelecendo a luta ou negociação entre as classes sociais, uma proprietária da terra, outra do capital e uma terceira do trabalho, sendo a última, subordinada às primeiras. Para Marx, não há negociação que resolva pacífica e definitivamente esse conflito e, por isso, a abolição desses domínios sobre cada um desses meios de produção seria a solução, pela consequente extinção das classes. Ele fez a escolha de atribuir aos detentores do trabalho, a força do movimento no trajeto da história, e o papel de conduzir a mudança social, mas isso é apenas o começo.

A autoridade para estabelecer os padrões de juízo sobre a existência humana e suas contradições é, talvez, um dos elementos a ser tomado como ponto de partida para entender algumas das disputas no plano das ideias que regem as correntes de pensamento mundial.

O Estado dito moderno, organização social constituída pela formação de territórios identificados como nacionalidades, domínio de monarcas feudais, constituídos como poder na base da força militar, teve duração de alguns séculos. Eles se autoproclamavam com um poder divino e essa qualidade foi ungida por autoridades eclesiásticas cristãs. Os papas coroaram os reis durante séculos.

As revoluções burguesas do século XVIII, em particular a francesa e a americana, modificaram essa premissa estabelecendo que todo poder “emana do povo” e que “em seu nome será exercido”. As constituições laicas sacramentadas por representações eleitas pelo povo passaram a ser a chancela da formação dos poderes executivo e legislativo desde então, embora a delegação que o povo passa aos seus representantes venha incidindo em quem tem mais capital para manipular as eleições e manter os interesses históricos das minoritárias classes dominantes e preterindo a maioria dos dominados. O nó continua apertado e difícil de desfazer por conta das premissas simbólicas em que está calcada a natureza do poder e suas heranças familiares e de classe.

O histórico Jesus Cristo, numa perspectiva subversiva ao status quo, se colocou como autoridade divina para enfrentar o império romano que se mantinha pela força militar e era impossível de ser batido belicamente por forças terrenas. Embora se assumindo como Deus, foi julgado como ameaça ao plano concreto dos romanos, mesmo tendo jogado as contradições para serem resolvidas em outro plano, o espiritual. Por analogia, um revolucionário prenhe de compaixão numa contingência de dominação completa dos meios de produção por autoproclamados divinos.

Em um certo sentido, a Teologia da Libertação tanto quanto a da Prosperidade reinterpretam o Evangelho numa perspectiva humana. O Reino começa aqui e, portanto, seguindo a perspectiva da dialética materialista, é no plano concreto, onde vivem e trabalham as pessoas, que devem ser resolvidas as contradições e desigualdades. A repartição é o meio santificado para uns enquanto a acumulação é o meio para outros. O problema é que ambas as comunicações religiosas e sociais, não têm bastado para resolver as contradições capitalistas em sua lógica acumulativa e desigual. Continua o sofrimento dos menos favorecidos com as oportunidades que uns tem e outros não. E o comunismo sofre as mesmas ameaças e preconceitos do passado, como “boi da cara preta” que se diz ameaçar a todos para que não sejam acordados do sono profundo e nem ousem entender os medos que se encerram nas tripas deste mesmo boi.

Gutemberg A. D. Guerra, Manoel Moacir C. Macêdo, e Manoel M. Tourinho, são engenheiros agrônomos e pós-graduados em Ciências Sociais.

 

 

 

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