Pescadores - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 



Pescadores


Gutemberg Armando Diniz Guerra

Engenheiro agrônomo



          O mar tem segredos para quem não é do mar e dele mantém distância. Marinheiros e pescadores sabem ler o que está escrito em cada marola, onda, correnteza, risco na areia. Eles sabem quando os peixes se oferecem e quando se escondem. Eles sabem quando o vento e as águas se combinam para liberar seus monstros e sereias, aqueles que gostam de brincar afundando embarcações e engolir seres humanos, tanto quanto os seus deuses poderosos, terríveis ou magnânimos.

O comportamento sereno que costumam lhes fazer representar remendando redes, organizando seus apetrechos, tecendo armadilhas com cipós, consertando currais, calafetando suas embarcações, trajados em calções folgados, peitos nus, descalços, chapéus de palha, nada diz sobre a força de vontade, sabedoria e determinação ao enfrentar os perigos que espreitam em cada pescaria em mar aberto ou em baías revoltas. Quando os pescadores abrem a boca, soltam sentenças cheias de segredos que os homens comuns sequer vislumbram. No fundo do olhar de cada pescador tem linhas e mensagens indecifráveis.

Cresci e vou avançando na idade ouvindo histórias de que pescadores não vão embriagados e nem se embriagam no mar. Pode ser que sim, mas pode ser que não seja tanto assim verdade. Tenho visto e conversado com alguns deles que gostam de álcool e outras iguarias que lhes fazem viajar por mares e horizontes muito mais longínquos do que sonham as percepções de quem não lhes conhecem. As generalizações são sempre perigosas e costumam falsear, tanto quanto as exceções.

Em sociedades onde o dinheiro é escasso, as pescarias coletivas e a solidariedade costumam ser maiores do que em outras em que a moeda predomina e se apresenta em cada esquina. Tenho visto e registrado grupo de cinco ou seis pescadores na praia arrumando suas tralhas, conversando fiado, esperando a maré permitir que possam sair para a costa e trazer seu sustento, alimento em parte e parte a ser comercializada para possibilitar a compra de farinha, óleo, café e álcool para esquentar os pulmões e os músculos retesados pelas agruras da vida.

Não sei porque os nomes de barcos costumam ser tão simbólicos. Águia, Esperança, Maria... Bestas, sentimentos, mulheres. Costumam ter cores vivas: vermelha, azul, verde, amarela... Costumam ter remos mesmo quando há motor e vela. Costumam receber cuidados e carinhos de seus donos e usuários. São tratados com respeito e se duvidar, com veneração. Barcos são muito mais do que montarias...

Pescadores são uma espécie de magos, seres mesclados de coragem e medo, gente que trafega entre a terra, o mar, os ventos e o céu. Do mar conhecem as superfícies e as profundezas. Da terra sabem bem mais do que se lhes atribuem. Dos ventos, ah, dos ventos eles são tão amigos que mesmo quando não há sopro eles estão dialogando em tal intensidade que ninguém deve interromper. Quando o vento é brisa, há sinais de alerta e quando faz ondas, eles se respeitam. O céu é uma espécie de cenário, ora de drama, ora de comédia, ora de tragédia, e muitas vezes de pura contemplação. Os pescadores são professores do mais profundo grau de sabedoria. Temos que lhes observar, indagar e escutar. Aprenderemos sempre e muito com eles.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas